Em
1971, o professor Rodrigues Lima, “catedrático” da cadeira de obstetrícia da
então Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, hoje UFRJ, veio a Cuiabá
proferir uma palestra sobre planejamento familiar.
Na
época o assunto era uma novidade para um país de maioria católica, onde era
proibida, pela lei de Deus, a limitação do número de filhos.
“Crescei
e multiplicais-vos”, ensina a Bíblia Sagrada.
Único
método anticoncepcional aceito pela igreja católica é a “tabelinha”: o coito é
interrompido na metade do ciclo menstrual, quando o corpo da mulher está
preparado para a reprodução.
Esse
método antifisiológico é de baixa eficiência.
A
questão do superpovoamento do planeta preocupava os organismos internacionais.
O
professor Rodrigues Lima foi, no Brasil, um dos pioneiros na campanha sobre o
esclarecimento do uso dos métodos anticoncepcionais, tendo como objetivo
preservar a saúde da mulher que praticava o aborto clandestino, método
empregado no planejamento familiar.
Fundou
um serviço modelo no Rio de Janeiro, onde orientava casais que pretendiam
constituir uma saudável família com filhos desejados pelo casal.
Percorreu
o Brasil disseminando o seu projeto de limitação consentida de filhos, fazendo
conferências, palestras, aulas e motivando a sociedade e classe médica ao
engajamento do então revolucionário projeto.
Ao
chegar à nossa capital, de aproximadamente cem mil habitantes naquela época,
antes de ser conduzido ao hotel onde ficaria hospedado, solicitou que o
levassem até à nossa Maternidade do Hospital Geral, na Rua 13 de junho.
Dirigiu-se
à recepção e solicitou de uma funcionária o favor de lhe fornecer,
aleatoriamente, uma centena de protocolos de internação.
Anotou
em uma pequena caderneta alguns números. Depois pediu que o levasse para o
hotel para descansar, pois à noite faria a conferência na Universidade Federal
de Mato Grosso (UFMT)
Ninguém
perguntou nada ao professor sobre sua pesquisa, e ele não comentou nada.
A
aguardada fala do professor foi realizada no prédio hoje ocupado pelo Museu
Rondon.
Pontualmente,
às 20:00h, a mesa diretora dos trabalhos já estava formada, com as presenças do
governador, prefeito, arcebispo de Cuiabá, membros do poder Legislativo,
Judiciário, Tribunal de Contas, militares e reitor.
Plateia lotada, com gente sentada no chão e em
pé.
O
professor é apresentado sem nenhuma formalidade e assume o comando da reunião.
Fugindo
ao clássico boa noite “meus senhores e senhoras”, foi direto ao assunto com a
seguinte pergunta aos assistentes: “Cuiabá é uma cidade católica?”
Silêncio total! Começou a dirigir a pergunta a
algumas esposas de autoridades, pessoas da plateia e, finalmente, ao Arcebispo.
As
respostas foram unânimes: “Cuiabá é sim, professor, uma cidade muito católica”.
Justificou
a sua pergunta por causa das inúmeras igrejas católicas que encontrou no
trajeto do aeroporto ao centro de Cuiabá e Coxipó, sede da UFMT.
Foram
citadas as igrejas de São Gonçalo, Nossa Senhora Auxiliadora, Bom Despacho,
Catedral do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, Senhor dos Passos, Nossa Senhora do
Rosário e São Judas Tadeu.
Ouviu
a todos com atenção nas suas respostas e justificativas, afirmando ser Cuiabá
uma cidade católica.
Só
então iniciou a sua palestra. Relatou a rápida pesquisa que fizera na Maternidade,
onde constatou elevado número de mulheres, na sua maioria jovem, que provocavam
o aborto e, ao sangrarem, se dirigiam ao hospital para socorro médico.
Mais
de quarenta anos nos separam desse acontecimento histórico, onde pela primeira
vez se debatia, escancaradamente, o grave problema de saúde pública, que é o
aborto clandestino. Ficou a sugestão da criação de centros de educação para o
planejamento familiar.
O
Ministério da Saúde divulgou, recentemente, pesquisa em que informa que, por
ano, são praticados no Brasil mais de um milhão de abortos.
O
diagnóstico? Falta de vontade política e competência governamental para
resolver o problema da nossa educação.
Triste
saber que o Brasil é, também, um país aborteiro.
Gabriel
Novis Neves
28-10-2013
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