sexta-feira, 12 de novembro de 2021

PESSOAS INESQUECÍVEIS


Quando estudei medicina, o belo prédio da minha faculdade, criminosamente destruído alguns anos depois, ficava na penúltima parada do bonde nº4 da Avenida Pasteur na Praia Vermelha.  Era a porta principal da mais importante escola médica do país.


Em uma curta rua, ao lado da faculdade, em frente ao restaurante universitário e fundos da casa do estudante de medicina, ficava a outra entrada, a preferida pelos estudantes.  Nessa entrada conheci duas pessoas inesquecíveis por gerações de médicos de todo o Brasil.


O porteiro “seo” Magalhães e o “livreiro” Luís.


O “seo” Magalhães era um figuraço! Vestia calças compridas escuras, camisas brancas com punhos fechados por abotoaduras, gravatas, meias e sapatos pretos e uma bem tratada cabeleira branca. Às vezes colocava um avental branco.   Os calouros o confundiam como um dos famosos professores da escola.


Diz à “lenda” que ele só começava a conversar com os estudantes depois do segundo ano do curso. Estes curiosos calouros, queriam saber quem era aquela figura imponente que sempre estava na porta lateral da escola, até descobrirem tratar-se do porteiro da mesma.


“Seo” Magalhães, homem educado, gostava de contar as histórias da faculdade. Sabedor disso, certa ocasião perguntei-lhe se lembrava do aluno Noel Rosa, um dos grandes compositores brasileiros da nossa música popular.


“Claro que sim”, respondeu o velho porteiro. Ele era meu amigo, faltava muito as aulas, conversava pouco com os colegas e, infelizmente, abandonou o curso antes da sua conclusão. Também morreu muito jovem, vítima da boemia.


A política estava fervendo para a próxima eleição presidencial, onde o médico Ademar de Barros, ex-aluno da faculdade e governador de São Paulo concorria ao cargo.


Criou um partido para se eleger (PSP) e o slogan: “rouba, mas faz”!


Quis saber da opinião do “seo” Magalhães. Ele respondeu que ele tinha sido nosso aluno e naquela época já vinha assistir às aulas dirigindo o seu próprio automóvel. Os professores na ocasião chegavam de bonde para ministrar as aulas.  E continuou: “Ele sempre foi muito rico e o que dizem dele, a maioria, é mentiras. O Ademar foi o primeiro aluno desta faculdade a vir assistir às aulas de carro, e me mostrou onde ele estacionava o veículo importado, à sombra de uma imensa árvore”.


Logo após a portaria, um enorme salão abrigava os alunos e em um canto um senhor magro, usando óculos de grau, meia idade, discreto, tinha uma pequena estante de madeira com livros de medicina.


Era o Luís “livreiro”, carinhosamente tratado pelos estudantes. Vendia livros das editoras médicas e os alunos pagavam como podiam. Nunca anotou nada, chamava a todos de doutores e doutoras, estava sempre bem humorado, compreendia os atrasos das mensalidades por alguns, e foi amigo também de muitos médicos deste Brasil.


“Seo” Magalhães e o Luís “livreiro” foram duas pessoas inesquecíveis para a minha geração da Faculdade Nacional de Medicina.


Gabriel Novis Neves

04-11-2021




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