quarta-feira, 10 de novembro de 2021

COMBATE AO RACISMO NA PRAIA VERMELHA


Próximo a nossa faculdade na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro dos anos dourados, existia um conjunto de edifícios onde moravam os militares do Exército Brasileiro.  No térreo havia uma cantina que atendia os militares e moradores da região, sendo também muito procurada pelos estudantes de medicina que moravam (principalmente) na Casa do Estudante nos fundos da faculdade, para o café da manhã.  


Às vezes tomava o meu café com leite e pão com manteiga nessa simpática cantina explorada por terceiros.  Certa ocasião, um colega nosso de “cor” estava na cantina, quando o síndico do edifício, um coronel do exército, pensando ser o mesmo “morador” de rua ou “malandro”, o expulsou das suas dependências. 


Foi o suficiente para o “tempo fechar”, já que no estabelecimento havia muitos outros estudantes.  A briga estava feia, com socos e pontas pés, quando vários carros da Polícia de Choque do Exército, em alta velocidade e sirenes ligadas, chegaram ao local para  restabelecer a ordem.


O síndico queria a prisão do estudante de “cor”, que se negou a se retirar do local enquanto tomava o seu café da manhã.  Após negociação, nas quais estudantes tiveram que exibir a sua carteirinha de medicina para frequentarem a cantina, a prisão foi relaxada.


Os estudantes revoltados, e agora com a presença do Presidente do Diretório do Centro Acadêmico de Medicina e centenas de estudantes que vieram para as aulas, se reuniram nas escadarias ao lado da entrada da faculdade e promoveram caloroso comício de protestos contra o racismo do coronel.


O tom dos discursos cada vez subia mais, com o reforço, a esta altura, do pessoal da União Nacional dos Estudantes (UNE) e políticos.  A tropa de choque foi novamente chamada, e resolveu intervir para acabar com o “motim”, ameaçando invadir a faculdade.


Eis que surgiu o Reitor Pedro Calmon, se postando diante dos militares para pronunciar a famosa frase:  “Aqui só entra se fizer o vestibular”, oferecendo com seu gesto resistência à iminente invasão do prédio e negociando a paz.


Os estudantes entraram em greve de apenas três dias em solidariedade ao seu colega humilhado, e os militares desistiram das prisões voltando para os quartéis.  O síndico do edifício dos militares foi substituído e aos poucos a paz voltou a reinar com a presença dos universitários na cantina, inclusive o de “cor”.


Este foi um exemplo de como o racismo sempre esteve vivo nas ações, principalmente das elites brasileiras. Até mesmo tratar por pessoa "de cor" era insultoso aos negros. Mas também se lembra também da época em que reitores defendiam seus alunos e a autonomia universitária.


A universidade brasileira surgiu não apenas para diplomar bons técnicos necessários ao desenvolvimento da nação, mas principalmente formar cidadãos livres.  Essa foi a minha escola!


Gabriel Novis Neves

05-11-2021




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.