segunda-feira, 15 de novembro de 2021

MUROS, QUINTAIS E INFÂNCIA


Em frente à minha casa na Rua do Campo, existia um muro de uns vinte metros de comprimento, feito de adobe revestido por massa de barro, coberto por telhas, caiado, e com um pequeno portão fechado por cadeado.


No interior do terreno, uma pequena floresta urbana, com inúmeras árvores produtoras de frutos com dois cachorros bravos fazendo a sua segurança.  Três vezes por semana, seu proprietário vinha ao quintal, colher os frutos e trazer alimentação para os cachorros.  Ninguém ousava entrar no quintalão para pegar uma manga Bourbon. Os cães amestrados logo vinham expulsar o desavisado infrator.


O extenso muro da minha infância apresentava sérios problemas em sua pintura, com buracos em sua parede, telhas de barro quebradas ou retiradas, e sua calçada estava quase sem piso.  


Essa calçada de terra servia de brinquedos para a garotada da época.  Lá os meninos jogavam "bolitas", ou bola de gude, onde faziam pequenos buracos circulares nas falhas do piso. A brincadeira consistia em colocar com o impulso do dedo polegar a bolita dentro do buraco.


Também se brincava de “amarelinha”, onde as meninas participavam. Era jogada uma pedrinha, ou outro objeto, em uma das casas numeradas no chão da calçada e, a seguir, percorria com uma perna só, todo o caminho traçado sem pisar na casa marcada, e recolher a pedrinha de volta.


Nos buracos do muro, muitos rapazes “guardavam” suas bolitas, quando iam estudar no Rio de Janeiro.  Na sua volta já “doutores”, iam ao buraco do muro onde haviam guardado seus brinquedos de adolescente e os encontravam.


Isso demonstra bem a Cuiabá até os anos cinquenta, quando nada acontecia por aqui.  Descobriram também os “doutores” no seu regresso, que o muro em frente à minha casa era mais curto, e o local da calçada dos jogos de bolita e “dança” do amarelinho eram diminutas.


Criança não tem noção de espaço, onde “até o quintal onde a gente brincou achei maior que a cidade”. A gente descobre isso depois de grande.  As reminiscências causam em nós adultos, um templo de relíquias inesquecíveis dos primeiros anos de vida, onde tudo é amor que se guarda pelo resto da vida.


Gabriel Novis Neves

01-11-2021




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