quarta-feira, 24 de novembro de 2021

NA "CHÁCARA DOS LOUCOS"


Tenho escrito sobre minhas experiências de vida, principalmente daquelas adquiridas como estudante no Rio de Janeiro. Muitas das quais consegui transformar em realidade.


Fui aluno da Dra. Nise da Silveira, no Centro Psiquiátrico Nacional, no bairro Engenho de Dentro no Rio de Janeiro.  A psiquiatra-professora ensinava os seus alunos um método novo de como tratar pacientes com transtornos mentais. Utilizava a arte.  Até então os tratamentos psiquiátricos eram invasivos e violentos, onde se praticava o eletrochoque, lobotomia e insulinoterapia.


Fiquei surpreso nas aulas práticas da Dra. Nise da Silveira. Ela se sentada ao chão do grande salão, distribua papel, pincéis e tinta para seus pacientes, em vez de medicamentos.  Como imaginar tratar um esquizofrênico com arte e carinho, sabendo que esses pacientes têm comprometidas suas funções afetivas?


Fundou o Museu de Imagens do Inconsciente que abrigam hoje 350 mil obras e é Patrimônio Universal.


Retornando à Cuiabá, fui nomeado pelo governador Pedro Pedrossian para ser Diretor do Hospital Colônia de Alienados do Coxipó da Ponte.  Lembrei muito da minha professora do Engenho de Dentro.  A minha 1ª providência foi dar dignidade e tratar com humanismo os pacientes internados com transtornos mentais.  Muitos eram abandonados por familiares e policiais para o resto da vida.


Mudei o nome do hospital para "Adauto Botelho". 


As enfermarias continham números de camas insuficientes ao número de pacientes. Muitos dormiam no chão. Não havia separação com menores.  Existiam as “celas” fortes onde o espaço era individual. Eles ficavam acorrentados pelos pés. Recebiam as refeições pelas pequenas janelas da cela. O vaso sanitário era raso rente ao piso.  Não tinham higiene e não saiam da cela nem para tomar banho de sol. A medicação era o choque elétrico.


Jornais de São Paulo noticiavam sobre as mortes dos pacientes daquela “Chácara de Loucos”.


Com carta branca do jovem governador, em poucos meses reformei o hospital. Adquiri camas e colchões suficientes aos doentes masculinos e femininos. Contratei 15 auxiliares de enfermagem. Naquela época não havia técnicos em enfermagem e enfermeiros com nível superior era um sonho.  


Construí uma nova cozinha e chamei a melhor cozinheira hospitalar para cuidar das refeições dos doentes.  Acabei com as “celas” fortes, transformando-as em oficinas de trabalho, arte e lazer. Liberei seus “prisioneiros” para convívio com seus semelhantes.


Jardins foram criados no pátio de recreação, assim como um Centro de Convivência equipado com cadeiras espreguiçadeiras, música, jogos de dama e mesas para pingue-pongue e sinuca, - a única até hoje adquirida por um hospital público.  Quadra de futebol de salão, vôlei e basquete além de um campo de futebol de dimensões oficiais, tudo para recuperar pelo lazer e pela arte os nossos pacientes.


Alguns eram incentivados ao artesanato. Um deles, que denominarei "Esperidião" para continuar em relativo sigilo sua identidade, era esquizofrênico crônico e, por exemplo, chegou a construir a sua própria casa, mostrada e aprovada pela crítica de arte Aline Figueiredo.


O antigo “Hospital dos Loucos” passou a servir a sociedade com humanismo e o mérito e o resultado desse trabalho terminaram por me conduzir - sem que fosse consequência obrigatória e imediata preordenada -  à direção da Secretaria de Educação e Cultura do Estado. 


Sempre há um intuito e um escopo humanitários para o exercício da medicina e, no caso, a interação social que tais progressos permitiram foram derivados das inovadoras lições e aulas práticas da Dra. Nise da Silveira!


Gabriel Novis Neves

17-11-2021









Link para história de Adauto Botelho


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