sexta-feira, 5 de novembro de 2021

MUDANÇAS DE PENSÕES


Com a chegada do meu irmão Pedro para estudar no Rio e Janeiro, deixei a pensão dos meus colegas, também chamada de “República”, e passei a  alugar quarto em apartamentos para melhorar o rendimento mensal dos seus proprietários.  Foi uma época rica em entender comportamentos humanos, sociais e culturais dos seus moradores e hóspedes.


As experiências humanas foram inúmeras e saudáveis na minha formação.  Talvez a que mais me impactou culturalmente foi quando aluguei um quarto em edifício de um por andar na Avenida Atlântica em Copacabana.


Já ganhava um dinheirinho como acadêmico de medicina e o aluguel era compatível com o meu salário, quando resolvi dar “uma de rico”.  O quarto ficava de frente para o mar no 11º andar!  O cenário era deslumbrante, com as ondas verdes do mar indo e vindo, produzindo um barulho maravilhoso, que até hoje ouço quando lembro.  No ar, o perfume da maresia me encantava, fazendo-me pensar longe de mim.


Como era bom ficar na janela do quarto observando a beleza da natureza, com os barquinhos dos pescadores ao longe e os banhistas na areia branca da Praia de Copacabana, o bairro queridinho dos brasileiros!


No meu primeiro dia de pensão, a dona do apartamento me mostrou o quarto onde ficaria com meu irmão: camas de solteiro separadas, armários excelentes, banheiro completo, tudo novo, uma mesa com cadeira estofada para estudar, debruçado na janela defronte ao mar e um pequeno sofá.


As roupas das camas eram trocadas uma vez por semana, com travesseiros de penas de ganso.  Na sala de jantar uma geladeira onde podíamos tomar água.  Não servia café da manhã, nem almoço e jantar. Também não deveríamos permanecer em outros cômodos do luxuoso apartamento do edifício 1880.


Quando morava lá, uma tarde comprei o lançamento de um long-play que estava fazendo muito sucesso, cujas músicas eu adorava.  Era o “Chega de Saudade”, com interpretação do cantor Agostinho dos Santos.  Quando visitava minhas tias levava para ouvir.


Procurava chegar em casa após o casal e filha pequena terem se recolhidos para dormir, sempre cedo pois, a menor tinha aulas pela manhã.  Também um pouco por timidez, com a presença da família ainda na sua rotina pelo apartamento.


Em uma dessas chegadas, ao abrir a porta do apartamento para não fazer barulho, que pudesse importunar seus moradores, a sala estava com as luzes apagadas.  Com cuidado fui abrir a porta da geladeira para tomar água. Deparei com um pires contendo uma pequena folha de alface, duas rodelas de cenoura, batata cozida e uma xícara com arroz.  Foi um choque cultural ao menino do interior criado com abundância de comida, onde o “resto” era jogado em lata de banha de vinte quilos para alimentação dos porcos.


Passado meses fiquei amigo do casal. Eram judeus, sofreram muito com a 2ª Guerra Mundial, passaram fome e fugiram para o Brasil para recomeçarem a vida.


Gabriel Novis Neves

03-11-2021




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.