Por
mais de meio século exerci com amor a profissão de médico da área básica de
saúde – Ginecologia e Obstetrícia.
Dedicação,
comprometimento, despojamento, humanismo, solidariedade e um profundo respeito
a todos que me procuravam, independente da classe social e econômica, marcaram
a minha trajetória.
Acho
até que abusei do fato de praticar assim o meu ofício de médico, muitas vezes
sacrificando a atenção que deveria prestar à minha família.
O
tempo passou, o mundo foi globalizado e a medicina judicializada.
Neste
momento, o ingrediente mais importante na profissão de cuidar de doentes é
impedido quando o que realizamos não é ciência ou arte, e sim, entrega ao nosso
semelhante fragilizado.
Com
esse corte na indispensável relação médico-paciente, o meu amor pela medicina
foi se transformando em uma enorme desilusão.
Pelos
critérios atuais o exercício dessa antiga profissão está totalmente
descaracterizado da concepção de Hipócrates, o pai da medicina.
Não
é possível exercer industrialmente essa ocupação apenas para sobreviver com um
mínimo de dignidade.
O
tempo que cada paciente necessita de seu médico não pode ser mensurável pela
produtividade.
O
pior é que neste estado de coisas desapareceu a confiança entre médico e
paciente, situação impensável há alguns anos.
O
médico passou a não ter tempo disponível para fazer uma boa anamnese, onde se
inicia o processo da hipótese diagnóstica.
A
grande maioria não possui mais este essencial equipamento a uma boa consulta,
pois, Planos de Saúde e SUS, roubaram essa possibilidade.
Este
é o perfil do profissional oferecido pela medicina socializada (!).
Assim
como existem bons e maus médicos e clientes, aumentou cada vez mais esse fosso,
impedindo o exercício da mais humana das profissões, com tudo nivelado por
baixo nesse binômio médico-cliente.
A
medicina mudou de rumo onde, para o seu desempenho, é obrigatório ter preparo
de um atleta velocista no atendimento para receberem um salário aviltante.
Sentimos
que os jovens que ainda procuram a medicina como profissão fogem das
especialidades básicas – pediatria, clínica geral, cirurgia geral e
ginecologia-obstetrícia, e optam por uma atividade voltada à vaidade humana e
às máquinas de impressionantes resultados tecnológicos.
Os
nossos serviços públicos de atenção básica à saúde, estão em níveis
inaceitáveis de atendimento por falta de profissionais, embora o Brasil seja um
dos países com o maior número de escolas médicas do mundo. Aqui, importamos
médicos!
O
amor pela profissão foi vencido pela desilusão.
A
reversão dessa situação só será minorada quando resolvermos nossos problemas
educacionais.
Sem
educação não se faz saúde, aliás, não se constrói nada.
Gabriel
Novis Neves
24-05-2015
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