terça-feira, 19 de dezembro de 2023

PRIMEIRA ESCOVA DE DENTES


Criança ainda, já frequentando o Grupo Escolar, fui me despedir do meu avô Alberto Novis. Ele não estaria aqui, por ocasião do meu aniversário. Iria passar as férias no Rio de Janeiro, onde três filhas dele moravam.


Indagou-me sobre o que eu preferia ganhar no meu aniversário. De duas, uma: ou ganharia lindo telegrama do vovô, que eu iria colocar em cima da cama com os presentes para todos lerem; ou receberia, antecipado, o presentinho em dinheiro. Após, completou: neste último caso, ninguém irá saber, pois você não o colocará na cama.


Como não era nada bobo, sem pestanejar, dei-lhe uma pronta resposta: ‘os dois’. Do nada, ele abriu a carteira de dinheiro que colocava no bolso traseiro e me deu mil réis em papel-moeda.


Quando aprovado no vestibular de medicina em 1955, vim passar o aniversário com meus pais. Ao visitar meu ‘colega’ — era só felicidade! — e avô Dr. Alberto Novis, encontrei-o na casa da Voluntários da Pátria, em seu escritório, na labuta de escrever o diário.


Disse-me da alegria em ter dois netos estudando medicina. Continuou me incentivando a que fosse otorrino.


Ele, apesar de surdo, foi o primeiro otorrino de Cuiabá, tendo exercido, por muitos anos, a especialidade com sucesso.


Depois foi ao enorme armário de madeira, de onde retirou um grande caderno de capa preta. Isso no já distante 1936. Sim, era seu diário.


Sentou-se na confortável cadeira de braços e disse: ‘Vamos ver o presente que lhe dei no dia do seu primeiro aniversário’. Lemos juntos. Lá estava escrito, a encimar a página: 6 de julho de 1936.


‘O meu netinho Gabriel está contemplando um aninho de vida. Vou passar em sua casa à tarde para lhe dar um abraço. A ele deixarei meu presentinho: será uma escovinha de dentes’.


A bem-dizer, eu só fiquei sabendo do presente quando comecei a usar a escova de dentes. Naquela época, a saúde bucal das pessoas era lastimável.


Não se sabia, então, que a falta da boa higienização iria desandar na cárie dentária! Na primeira dentição, chamada de ‘dentes de leite’, já se fazia frequente a danada da cárie.


Os dentes definitivos tinham cárie. Quantos jovens não perdiam seus dentes! Os que podiam, se dirigiam a um protético que fazia as celebres chapas dentárias.


Meu avô e meus pais foram vítimas dessas bactérias. Todos eles, jovens ainda, faziam uso de ‘chapas dentárias’.


Graças ao presente do meu avô, possuo todos os dentes permanentes. Meus filhos e netos nunca tiveram cárie. Já os bisnetos, estes começam a frequentar os dentistas regularmente, desde quando lhes rompe o primeiro dentinho de leite.


Vão ao dentista a cada trimestre e não têm medo dele. E saber que, em nossa época, o dentista nos metia um pavor daqueles!


A saúde bucal dos cuiabanos, atualmente, é muito boa em razão da escovação sistemática e da visita preventiva aos dentistas. 


O SUS faz um excelente trabalho nessa área, atendendo no Programa Saúde da Família, UPAs, Hospitais Universitários — em cidades com faculdades de odontologia —, bem assim nos Prontos-Socorros. A isso acresçam as palestras nas escolas, que são muito bem-vindas.


Até hoje sou demasiado grato a meu avô por conta do primeiro presente de aniversário que me mimoseou. Se ele me alertou para a higienização bucal, também pôde beneficiar, por ação de seu neto, a um sem-número de famílias.


É próprio dos velhos latinos este quase ditado: o ‘bem deve ser difundido’. A esse princípio, jamais me furtei. Se podia pô-lo em prática, por que não?


Gabriel Novis Neves

21-7-2023







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