terça-feira, 19 de dezembro de 2023

BARULHOS DA MINHA VIDA


Até hoje guardo — ficaram-me inesquecíveis — os barulhos que ouvia na minha infância. Retenho, no baú da memória, o ranger das cordas das redes nos círculos de ferro. Vinham pregados nas paredes dos velhos casarões cuiabanos, onde se fazia a sesta após o almoço.


As ruas se vestiam de deserto, e o comércio fechava as portas no período das 11 às 13 horas. Todos voltavam a suas casas para o almoço. O usual era tirar a sesta, sagrada soneca.


Aquele barulho nunca caiu no meu esquecimento, assim como os outros que tentarei mencionar.


Algo inolvidável era quando, após a primeira chuva de agosto, chamada ‘chuva da manga’, ouvia, da varanda da minha casa, o barulho das mangas caindo no chão do quintal


Como era gostoso esse barulhinho! No outro dia cedo, em pequena cesta de palha, escolhia as mangas maduras. Depois de desprezar as amassadas da queda, ia eu vendê-las.


Ah, o barulho da chuva caindo no teto do meu quarto — que não era forrado —, produzindo um borrifo no meu rosto de criança- adolescente!


Esquecer, como poderia, o barulho dos sinos das Igrejas Catedral, Boa Morte, São Benedito e do Rosário.


O sino da igreja de São Benedito sempre tocava às terças-feiras. Vinha com o intento de arrastar da cama os fiéis para a missa das cinco da matina.


O primeiro chamado era às quatro da madrugada. Pouco depois, o segundo: quatro e trinta. Às cinco, o último. A cidade ainda dorminhocava, toda no escuro.


A Catedral, que era nossa Matriz, a acionar suas badaladas potentes para as missas das seis e para a reza à noite. Sempre com seus três chamados.


Quando ia ao Porto achava diferente a batida dos sinos. É de estranhar que não me lembro dos sinos do Colégio dos Padres, onde cursei meu ginásio!


Pontuo o barulho dos latidos dos cães vadios e, o acordar das galinhas com o cocorocó dos galos de madrugada. Que prazeroso, o cântico dos pássaros!


Ficou-me amortecido o barulho que os sapatos de salto alto vociferavam pelos antigos salões de azulejos da Cuiabá dos meus pais.


O barulho dos espirros do meu pai, e das escarradas do historiador Estêvão de Mendonça, da janela do seu quarto, na rua do Campo. Uma loucura! Que os ‘seus’ não me espinafrem!


O barulho da pipoca — que delícia! — ao ser retirada do saco de papel, nos antigos cinemas chamados de ‘poeira’, por serem de chão batido. Entre eles o Cine Popular, na rua Marechal Deodoro, atrás da Escola Artífice.


Impossível — coisa da ‘especialidade’ que elegi — não ter sempre presente o choro das crianças quando principiavam a escrever sua história neste mundo.


O choro das presidiárias políticas, com o barulho que faziam batendo sem parar as colheres nas grades de ferro. Tudo lá pelas bandas da Penitenciária do Rio, na rua Frei Caneca, em 1964.


O barulho de uma janela se abrindo na Tijuca, quando fui acidentado na ambulância. Ao pedir um copo d´água a duas moradoras, estas me abriram a janela do seu quarto.


O barulho do clarim do quartel da Quinta da Boa Vista, quando eu servia ao Exército Brasileiro. Ficava no imperial bairro de São Cristóvão, no Rio.


Que chuva de lembranças! Essa grita de barulhos, cada um a seu modo, continuará a me fazer companhia na roda dos meus dias.


São recordações que nem mesmo a borracha do tempo consegue apagar!


Gabriel Novis Neves

22-07-2023









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