terça-feira, 7 de junho de 2022

O CACHORRO DA SANTA CASA


Quando retornei à Cuiabá no segundo semestre de 1964 para exercer a profissão de médico, imediatamente os colegas mais antigos “me nomearam” para atender a Portaria da Santa Casa e os Plantões da Maternidade do Hospital Geral.


Na ocasião a nossa cidade não possuía um Pronto Socorro ou hospitais privados, e os mais necessitados de cuidados médicos eram encaminhados para serem atendidos na Portaria da Santa Casa.


Funcionava como um Pronto Atendimento noite e dia, tendo um médico à distância para socorro aos casos mais graves.


Quantas madrugadas fui acordado pelo telefonema da Irmãzinha Salesiana da Santa Casa da Misericórdia para um procedimento que exigia internação e, às vezes cirurgia.


Lembro-me muito bem da madrugada que fui chamado para cuidar de um paciente grave com malária, que estava internado no quarto da rampa do hospital.


Na abertura da estrada de terra entre Barra do Bugres e o Distrito de Tangará da Serra, um jovem desbravador havia contraído malária.


Essa doença infecciosa febril aguda era transmitida pela picada da fêmea do mosquito Anopheles, infectada por Plasmodium, sendo o Falciparum o mais agressivo.


Não havia vacina para a malária, mas sim, uma série de medidas preventivas que, infelizmente, foram negligenciadas quando da abertura dessa estrada, produzindo um número elevado de mortes.


Hoje esse trecho está todo pavimentado, Tangará da Serra é uma cidade desenvolvida e é o quinto município mais populoso do Estado. 


Cidades apareceram entre Barra do Bugres e seu antigo distrito, como Nova Olímpia.


No trajeto final da minha entrada na Santa Casa até o local onde o paciente estava internado, havia um enorme e saudável cachorro Pastor-alemão, que estava deitado.


Levantou o focinho, ergueu as patas e se preparou para me atacar.


Se voltasse, ele me atacaria pelas costas, se parasse, era questão de segundos para me pegar, e não sei como consegui reunir forças e pernas para continuar o meu caminho.


O choque foi inevitável e só me lembro dos pedidos de socorro, logo atendidos pela Irmãzinha.


Bastou um grito de ordem para o cachorro me largar, sendo preso com coleira e removido do local.


Só assim pude chegar ao quarto do paciente com ascite, produzida por insuficiência hepática e malária.


Por um bom período cuidei desse paciente, tendo, inclusive, retirado com trocater, líquido ascítico do seu abdômen.


A partir desse episódio, sempre que era chamado de madrugada na Santa Casa pedia para irmãzinha que prendesse o cachorro-guarda.


Pela manhã, na sala de café, onde os médicos se reuniam, contei a minha desventura da noite anterior.


Disseram que aquilo só acontecia com os “médicos calouros”, e todos relataram os seus apertos com o cachorro, que chegou a derrubar colegas, e morder outros.


A Santa Casa ocupava um enorme quarteirão no bairro do Mundéu, com um quintal cheio de árvores frutíferas, parecido com uma fazendinha europeia.


Tinha criação de frangos, suínos e hortaliças para o abastecimento do hospital.


A vigilância ficava por conta do “simpático” pastor alemão!


Gabriel Novis Neves

03-06-2022












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