quarta-feira, 15 de junho de 2022

O BAIRRO DO PORTO


Este bairro surgiu bem no início da colonização portuguesa por ser o rio Cuiabá o único meio de comunicação da capital do Estado com o mundo.


No apogeu das minas de ouro, encontrado em abundância pelas margens da Prainha até o local onde está construída a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, o porto do rio Cuiabá começou a receber bandeirantes e navios cheios de tecidos, seda, porcelanas, vinho e material para comida


Era a porta de entrada para a cidade de Cuiabá.


Com o desaparecimento do ouro, Cuiabá passou por um processo de estagnação e decadência, e o vilarejo às margens do rio também, até o início do século vinte.


A mais remota recordação que guardo dessa região é de 1939, em manhã chuvosa, na descida da rampa de acesso ao rio, pegando o pequeno hidroavião com meus pais e dois irmãos.  


O destino era o Rio de Janeiro, que fiquei sabendo anos depois com fotos na Cidade Maravilhosa.


Não tenho a mínima lembrança do meu retorno.


Quem primeiro me levou ao Porto foi o meu avô Dr. Alberto Novis.


Quando ia visitar amigos, clientes ou dar banho no seu belo cavalo marrom, criado no quintal da sua casa, me levava para passear.


Chegávamos montados até a rampa do rio, quando o meu avô apeava do cavalo, me retirava do lombo do animal e o entregava aos meninos do rio para o banho caprichado com sabão.


Enquanto esperava os meninos fazerem o serviço, ela ia visitar amigos e clientes da proximidade.


Numa dessas visitas meu avô foi cercado para atender uma parturiente.


Naquela época as crianças nasciam em casa, como eu.


Fiquei sentado na sala de visitas enquanto o meu avô entrava no quarto da parturiente que aos gritos, pedia por socorros.


Alguns minutos depois ouvi choro de criança que vinha do quarto.


Meu avô retorna à espaçosa sala de visitas repletas de vizinhas e disse que tudo estava bem e o neném nasceu logo após a aplicação de um clister intestinal.


Foi buscar o cavalo marrom, seco e limpo, retornando para casa, apreciando os casarões com quintais frutíferos até a rua de Baixo, onde me deixava, e continuava para a Voluntários da Pátria.


Meu pai nunca possuiu e nunca dirigiu um veículo.


Aproveitava suas idas à Agência Migueis, no Porto, onde era informado sobre a chegada das cargas do bar, para me divertir, quando ir ao Porto era um passeio, assim como ir ao Coxipó da Ponte.


Pegávamos o ônibus de bancos transversais com encostos de madeira, que faziam ponto em frente ao prédio do Palácio da Instrução.


Até a parada final na rua, com degraus até as calçadas da Agência, ia observando tudo daquele mundo quase desconhecido por mim, a não ser pelas histórias contadas pela minha mãe e passeios a cavalo com o meu avô.


Ela havia ficado órfã de mãe aos três anos de idade, e foi criada por um bom tempo pela sua madrinha que morava na rua 15 de Novembro, no Porto.


Naquela época a elite da sociedade cuiabana morava no Porto.


Por algumas vezes fui ao cais do rio, no Porto, me despedir do meu avô que ia pelo rio Cuiabá até Corumbá, visitar sua filha Maria Augusta, que morava lá.


Meu avô foi estudar medicina em Salvador no final do século 19, partindo do cais do rio Cuiabá.


O menor que os meus pais criava fugiu para Corumbá, pelo cais do rio, sendo depois recambiado.


O pequeno ônibus lento da garagem do seo Chico Mechi fazia o percurso com duas ou três paradas para algum passageiro descer ou subir, e a “viagem” era tranquila.


Quando completei quinze anos de idade ganhei dos meus pais uma bicicleta Philiphs, guidão alto e pneu fino.


Fui estrear com os amigos, saindo da rua do Campo até o Porto.


Descendo a inclinada rua 15 de Novembro em velocidade, resolvi frear o meu brinquedo.


Passei por cima do guidão sendo jogado ao chão, voltando para casa feliz e todo cheio de escoriações pelo corpo.


Difícil era disputar partidas de futebol entre a turma da Catedral e do São Gonçalo, no campo deles.


Perdíamos no jogo e nos socos e peladas.


Morei um gostoso pedaço da minha vida, na rua Major Gama no Porto, onde fui muito feliz.


Minha mulher frequentava as ilhas do rio Cuiabá, para banho de rio e sol.


Meus filhos para dormir passeavam de carro pelo bairro do Porto.


Nas escolas de Cuiabá e pensões do Rio de Janeiro, tive inúmeros colegas do Porto, alguns filhos de migrantes europeus que chegavam por navios pelo rio Cuiabá, constituíram famílias e ficavam por lá.


Esses migrantes contribuíram muito com o desenvolvimento do bairro do Porto e de Cuiabá.


Dizem que o bairro Goiabeiras é o queridinho dos cuiabanos, o que concordo.


Mas, o bairro mais simpático de Cuiabá, é o bairro do Porto.


Gabriel Novis Neves

12-06-2022


Fotografias do acervo do Sr. Francisco das Chagas Rocha:












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