O comerciante de secos e molhados, João Gomes Monteiro Sobrinho, mantinha no enorme quintal da sua casa uma alternativa para a agricultura familiar, que era o cultivo da baunilha.
Muitas e muitas vezes fui na parte da tarde, logo o após ao almoço, comprar essa preciosidade, para fazer na sorveteria do bar do meu pai, o delicioso e saboroso sorvete de baunilha, um dos preferidos pela sua clientela.
Chegava ao armazém do Baú sempre sem fregueses devido ao horário.
Atrás do balcão de madeira de lei, sentado em uma cadeira de balanço, estava sempre o “seo” João Gomes.
Vestindo calças compridas de linho claro e amarrotadas, chinelos, camisa branca de mangas comprimidas e abotoadas com botões, enorme jornal aberto no colo, óculos de grau, barbas por fazer, cabelos brancos e dormindo um gostoso sono profundo.
Como chegava descalço, não fazia barulho.
Encostava o meu corpo de criança no balcão e apoiava meus cotovelos.
Tentava esperar o velho “seo” João Gomes acordar, e como isso não acontecia pelo extremo silêncio das ruas, timidamente batia palmas.
Ele acordava e sentado na confortável cadeira de balanço olhava para mim.
- Eu sou filho do Bugre do Bar, dizia-lhe em voz alta.
Papai mandou perguntar se o senhor tem ainda baunilha para vender.
Ele respondia que sim.
Eu pedia que ele embrulhasse um mil reis, que levaria.
Lentamente se levantava, deixava o jornal na cadeira e em passos lentos se dirigia para os fundos do armazém de secos e molhados, que ocupava uma imensa quadra.
No retorno, embrulhado em papel de jornal velho, trazia frutos secos e finas cascas de uma espécie de orquídea, com hábito de trepadeira, responsáveis pelo sabor e aroma de “baunilha”.
Pedia para que eu cheirasse e confirmasse a qualidade da baunilha que cultivava em seu quintal e comercializava.
Durante muitos anos fazia essa compra para a sorveteria do meu pai.
“Seo” João Gomes, casado com dona Almerinda teve oito filhos.
Iracema, casada com o general Ramiro de Noronha, membro da expedição Rondon, nome de rua em Cuiabá.
Irene, casada com o farmacêutico português “seo” Campos, pai de Frederico Campos, que foi prefeito de Cuiabá e governador do Estado.
Ilva, casada com o tabelião Arnaldo Rondon, pai da bacharela em Direito Maria Helena Rondon, do Cartório do 5º Ofício.
Imenes, casada com o general Aloísio Borba, pai de Aloísio Borba Filho, professor de agronomia da UFMT.
Iraci, que morreu muito jovem.
Dilermando Gomes Monteiro, general de exército, que exerceu todos os cargos importantes da carreira militar.
Durval Gomes Monteiro, dentista, jornalista político, morava na rua da Fé. Pai do médico pediatra Edu Gomes Monteiro, meu compadre.
Deodato Gomes Monteiro, casado com a minha tia Araci, filha do Dr.Alberto Novis, sendo meu tio por afinidade.
Pai do médico, acadêmico, escritor e professor João Alberto Novis Gomes Monteiro, fundador do Muxirum Cuiabano.
Muxirum foi um termo criado em 1989 com o objetivo de exaltar as tradições cuiabanas e realizar ações pela preservação da identidade cultural.
Deodato foi um autodidata em eletrônica e com Jerci Jacob fundaram a primeira estação de rádio em Cuiabá, – “A Voz do Oeste”, prefixo PRH3, que ficava na rua do Campo, em 1939.
Deodato, além de radioamador que entrava no ar pelo menos duas vezes por dia, falava com o mundo todo e prestava serviços à sociedade.
Tinha uma excelente oficina de consertos de rádios, relógios e o que mais o levassem para arrumar, na sala da frente da sua casa na rua de Cima, em frente ao beco Alto.
Na Cuiabá antiga, todos eram parentes e o dono do armazém no Baú onde eu comprava baunilha, por afinidade era meu parente.
Hoje, João Gomes Sobrinho empresta seu nome a uma das avenidas mais importantes de Cuiabá.
Gabriel Novis Neves
10-06-2022
 |
| Casa de |
 |
| Bairro do Baú (Fotografias do acervo de Francisco das Chagas Rocha) |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.