quarta-feira, 7 de junho de 2023

CABO CHEIROSO


Meu pai era um fino humorista no meio familiar.


Colocava apelidos naquelas pessoas do seu contato íntimo. Abastecia-se fartamente na porta do bar, onde se sabia tudo de tudo, e da vida alheia também.


Os fatos por mim relatados são de um pai maduro com mais de cinquenta anos, pois ele se casou aos quarenta.


Todas as tardes, após fazer as tarefas escolares de casa, tomava o meu banho no tanque da área da copa, me vestia e ia sentar nas janelas da minha casa, com as pernas para dentro do quarto.


Não sei por que abusava do perfume da minha mãe e colocava glostora ou gumex no penteado.


Ficava vendo as pessoas passarem pelas calçadas em direção as suas casas.


Esperava o meu pai chegar do bar trazendo sempre pães, queijo furadinho e amarelo, salaminho e “O Jornal” do Rio de Janeiro.


A me ver cheiroso em dias comuns, passou a me chamar de “Cabo Cheiroso”, numa alusão a um cabo do exército que por onde passava deixava um terrível odor de perfume.


O apelido, como outros que recebi em criança não pegaram em mim.


Um personagem da velha Cuiabá, que frequentava todas as festas da cidade ganhou de meu pai o apelido de “Arroz de festa”.


Arroz de festa não era o arroz que comíamos diariamente. Era todo "incrementado“ ia ao forno e só era servido em dias de festa.


Quem não dispensava um convite, às vezes protocolar, para comparecer a eventos festivos, vivia artificialmente como o arroz que não comíamos diariamente.


Ele criticava dizendo que ao receber o convite para uma festa, sabia quem iria encontrar lá o “Arroz de Festa” e mais alguns, que não era ele.


Fico me lembrando das “implicâncias” que meu pai tinha com aqueles cuiabanos que iam estudar no Rio de Janeiro e não voltavam para exercer a sua profissão aqui.


Nessas horas eu perguntava a mim se eu iria seguir esses exemplos, de continuar na Cidade Maravilhosa. Cheguei à conclusão que não.


Pois, não raras vezes eles passavam por necessidades financeiras e andavam pendurados em estribos de bondes da Light.


Seus passageiros exibiam os punhos das camisas brancas amareladas, sinal que não eram mudadas diariamente.


“Punhos empoeirados” era uma severa crítica àqueles que insistiam em não voltar para Cuiabá, onde teriam maiores oportunidades para exercerem as suas profissões.


Assim era o meu velho da educação gostosa cheia de metáforas, fáceis de serem aprendidas.


“Cabo Cheiroso”, “Arroz de Festa”, “Punhos Amarelados”, e tantos outros agradecem pelas sábias reflexões.


Gabriel Novis Neves

27-05-2023




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