quarta-feira, 28 de junho de 2023

ANOS DECISIVOS DA MINHA VIDA - VIVA O RIO


Em um dia da primeira semana de março de 1953 a minha mãe me acordou bem cedo para a grande aventura da minha vida – sair de Cuiabá para estudar medicina.


No dia anterior o meu pai combinou com o motorista que “fazia ponto” ao lado do bar para que chegasse cedo em minha casa na rua do Campo nº 380 para nos conduzir ao campo de aviação.


O carro importado dele era novo e largo, dando para acomodar a mim, meu pai, minha mãe e meus irmãos menores.


Meus irmãos iriam aproveitar para passear pela cidade, já que a corrida era longa e o meu pai nunca possuiu um automóvel.


O campo de aviação, de onde partiu o avião DC3 da empresa aérea Cruzeiro do Sul, ficava onde hoje foram construídas as casas dos oficiais do 9º BEC (Batalhão de Engenharia e Construção), ao lado do Shopping Estação.


Como o voo terminava à noite, mamãe preparou de madrugada pastéis fritos, colocou-os em um saco de papel e me entregou para comer em caso de necessidade, já que o Rio seria a última escala do avião.


Era o famoso voo “pinga-pinga” ou “sobe e desce” de tantas recordações que o jato jogou na história.


Tomei um café reforçado com bolo de arroz.


Nas mãos carregava pequena mala de papelão reforçada por estreitas tiras de madeira.


Continha o essencial: uma muda completa de calça comprida, camisas, cuecas, meias e um agasalho de tricô de lã, feito por minha mãe.


Lenços do meu pai, um par de chinelos e uma pequena caderneta de endereços com números de telefones dos parentes, e da minha primeira pensão, cuja dona chamava-se Irene.


Ficava na Praia de Botafogo nº 422, próximo às Lojas Sears e do Colégio Anglo Americano, onde iria estudar.


O pequeno DC3 pousou ao escurecer no Aeroporto Santos Dummont.


À minha espera estavam o irmão caçula do meu pai, Sinhô, e o meu primo Carlos Alberto, filho da minha tia Alba, irmã da minha mãe.


O meu primo que morava no final do Leblon, me levou para jantar em sua casa, e depois me deixaria na pensão.


Do aeroporto ao Leblon vi um outro mundo com as suas belezas naturais e tive a certeza que iria me apaixonar e gostar da cidade que escolhi para estudar.


Até hoje sinto a maresia da minha chegada.


Fui recebido na pensão com extrema cordialidade pela sua proprietária.


Ela me indicou a vaga no quarto que ficava nos fundos do apartamento em cima da entrada da garagem.


Também me orientou sobre as normas de funcionamento da pensão, que possuía outros hóspedes, todos estudantes.


Quase não dormi na noite da minha chegada ao Rio, pois o outro dia seria de aula, no terceiro ano do curso científico do Colégio Anglo Americano, famoso pela sua participação nos Jogos da Primavera.


O diretor proprietário do colégio era um elegante português, Dr. Corrêa.


A Inspetora Federal Yara Vargas era sobrinha do Presidente Vargas (1953), que comparecia sempre aos “Desfiles dos Jogos da Primavera” no palanque montado em frente ao colégio.


Foi um erro eu ter procurado esse colégio para terminar o meu científico.


Nosso ensino em Cuiabá era muito fraco e eu tive que me esforçar muito para não ser reprovado.


Não falava nenhum idioma estrangeiro pois aprendi literatura em vez de gramática.


No Anglo todos os alunos falavam fluentemente, pelo menos o inglês, francês e espanhol.


Os melhores alunos dos colégios considerados de ponta do Rio, se transferiam para o Anglo, para terem tempo de estudar para vestibulares considerados dos mais difíceis do Brasil, como o do Instituto Tecnológico da Aviação (ITA), em São José dos Campos (SP).


Da minha turma, dois passaram no vestibular do ITA e ficaram famosos entre nós.


Outra que ficou famosa foi a nossa colega Paulina, professora universitária, que ganhou notoriedade política por ter escondido o cabo Anselmo da Marinha do Brasil no final do governo do Jango Goulart (1964).


Eu a atendi numa madrugada como médico do Pronto Socorro Souza Aguiar, no Pavilhão Feminino da Penitenciária da rua Frei Caneca, de presos políticos.


Ela trêmula, magra e branca ao me ver gritou o meu nome e veio me abraçar.


Eu não contive as lágrimas e choramos abraçados.


Conclui sem reprovação, o terceiro ano científico no Colégio Anglo Americano.


Em 1954, frequentei o cursinho preparatório Galotti para o vestibular de medicina, na rua Álvaro Alvim na Cinelândia.


Fui aprovado no vestibular de medicina da universidade do Brasil da Praia Vermelha em janeiro de 1955.


Gabriel Novis Neves

27-06-2023




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