domingo, 19 de março de 2023

OS PITORESCOS 64


Bem antigamente eram servidos vários pratos nos almoços diários das numerosas famílias cuiabanas.


Tinham de tudo, e na cozinha ainda ficava muita comida de reforço para servir funcionárias, e a sobra ficava para os porcos criados no chiqueiro do quintal.


Arroz, feijão mulatinho, milho verde, vários tipos de farofa, como de manteiga, banana, de carne seca, de ovo e, ainda assim, muitos preferiam a farinha de mandioca.


Carne de boi, frango, peixe, feijoada - menos verduras e legumes.


O cuiabano antigo não suportava, e gostava de comida seca, sem molhos.


Sobremesa de doces caseiros feitos com as frutas do quintal, cafezinho e a sesta não podia faltar.


A casa era fechada e todos dormiam.


Nas calçadas desertas só se ouvia o ranger das cordas das redes nos armadores dos quartos de dormir.


Naquela época ninguém sofria de insônia, nem precisava tomar Rivotril para relaxar.


Hoje, só os operários da construção civil que trazem suas marmitas de casa e praticam a sesta.


As famílias atuais são reduzidas, e alguns almoçam no serviço.


O almoço em casa agora é de um prato, com entrada de salada verde, sem sobremesa e café.


Também ninguém usa mais fazer a sesta.


Os casarões foram abandonados. A maioria das famílias habita edifícios de apartamentos, e poucos têm redes para descansarem.


Os almoços dos domingos, quando os familiares se reuniam, era uma verdadeira festa de arromba.


Nessas ocasiões eram fornecidas garrafinhas de refrigerantes, fabricadas por Silvino de Arruda, na sua fábrica artesanal da rua 13 de Junho.


Interessante que naquela época ninguém usava ar refrigerado ou ventiladores, por falta de necessidade.


Como éramos felizes com tão pouco!


Hoje são tantos os pré-requisitos para sermos felizes que muitos desistem de encontrá-la.


Procuro a felicidade, especialmente aos domingos, quando temos mais tempo para nos recordarmos dos bons tempos antigos, tentando imitar aqueles que vivem com alguma dificuldade financeira.


Para eles a vida é tão simples que, quando num domingo as dispensas das suas casas estão quase vazias, procuram o rio mais próximo, para passar o dia.


Levam vasilhas e temperos para cozinhar arroz e feijão.


Logo pescam e trazem a iguaria para a mulher preparar para o almoço.


As crianças sempre trazem frutas do entorno do seu acampamento para a sobressa.


Às vezes, algum animal silvestre é abatido e preparado para melhorar a refeição.


Essas recordações aos antigos trazem saudades, e aos netos e bisnetos, incompreensões.


Estes nunca andaram de ônibus, e quando cobro dos seus pais essa experiência sensorial tão útil à vida adulta, eles me respondem – “pai, o mundo mudou. ”


Estamos apagando tão rápido o nosso passado, que mesmo cuiabanos na faixa de idade beirando os oitentas anos, têm dificuldades de entenderem quando escrevo sobre Cuiabá de bem antigamente.


As crianças são educadas com linguajar tecnológico, fora da compreensão dos idosos.


Hoje recebi a visita do meu jovem técnico em informática.


Ele falou com tantos termos que não aprendi na escola, que pedi paciência a ele para traduzir para mim, e mesmo assim entendi mal e mal aquilo que dizia.


Para assistir jogos de futebol pela televisão está muito difícil localizar o canal certo.


Perdi os primeiros dez minutos do jogo do Botafogo, e só consegui o número do canal pedindo auxílio ao meu neto caçula que está em São Paulo estudando Direito no Mackenzie.


Minha neta recém-formada em Medicina, ainda está fazendo Residência Médica.


Concorreu à uma vaga no concurso público para a Prefeitura de Cuiabá.


Sua especialidade é Ginecologia –Obstetrícia.


Perguntei-lhe como foi nas respostas médicas.


Disse-me que bem e acha que será aprovada.


Porém, não tinha se saído melhor na prova de informática.


Perguntei-lhe:


“Informática? ”


“Sim, para fazer consultas à distância”, ela me respondeu.


Retruquei – “depois me ensina a fazer parto humanizado à distância? ”


Os tempos mudaram, e muito, e a medicina perdeu o título de profissão mais humanizada para ser mais uma tecnológica.


Gabriel Novis Neves

30-01-2023




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.