Quanta coisa passou em minha vida sem que eu tenha percebido sua beleza, e que um dia fosse sentir falta dela.
Achava, por exemplo, que passar no vestibular de medicina fosse uma proeza muito difícil de alcançar.
Era um concurso nacional e muito concorrido.
Passei. Fiquei orgulhoso.
Raspei o cabelo e me senti vaidoso usando a boina azul até o cabelo crescer.
Essa fase foi fugaz.
Logo caí na realidade e o orgulho sumiu para sempre.
Por sorte tenho uma foto registrando esse momento de extrema felicidade.
Após 70 anos tenho dúvidas se isso aconteceu mesmo.
Mas chega a danada da saudade confirmando tudo para mim.
Passou! E quantas coisas passaram!
A alegria do meu pai ao ver um filho, o primogênito, formado em medicina com anel de ouro e esmeralda esverdeada no dedo anular da mão esquerda.
Para ele, muito mais importante que o diploma de médico, era o anel com uma serpente em volta, conhecido como bastão de Asclépio.
Asclépio é considerado o deus da medicina desde a antiguidade e seu culto teve início na Grécia, de onde se espalhou por toda a Europa.
A serpente tem o sentido da renovação (pela troca da pele), adivinhação (segundo a antiga crença) e morte ou remédio (após atenuado o veneno).
Para o meu pai o anel era símbolo de conquista da família, e todos me identificariam como médico, o homem do saber que curava os doentes.
Esse anel rico em simbologias que ganhei do meu pai, só usei na noite da minha colação de grau, para não o perder no “tira a tira” das lavagens das mãos.
Quando a minha neta se formou em medicina, filha do meu filho médico e pertencente a sexta geração de médicos Novis Neves, dei-lhe esta relíquia de presente de formatura.
Hoje achamos tudo natural, e teremos dificuldades de bem mais à frente sentirmos saudade.
Fico por horas pensando naquilo que não valorizei como deveria.
Acho que tudo foi produto de uma educação comprometida com os pais, e que não existe mais.
Gostaria de ter usado mais o meu anel de médico, pelo menos para dar mais alegria ao meu pai.
A felicidade é encontrada em momentos tão fugazes!
Eu deveria ser mais generoso com quem me criou e educou usando mais o anel que ele me deu.
Como me sinto feliz com os cursos superiores que implantei em meu Estado, e todos os formandos com seus respectivos anéis no dedo.
Este fato foi observado por mim como reitor por ocasião das colações de grau unificada, quando pais e padrinhos colocavam o anel no dedo do filho ou afilhado formando.
Tudo passou tão rápido, e hoje tenho belas recordações dessa época que não volta mais.
Gabriel Novis Neves
21-02-2023
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