terça-feira, 11 de outubro de 2022

A SORVETERIA DO BAR DO BUGRE

  

O bar do meu pai era composto de um amplo salão com suas inúmeras mesas e cadeiras de madeira, balcões e prateleiras, portas, e um salão anexo com poucas mesas e duas janelas, onde funcionava a sorveteria do bar.


As seis portas do bar e as duas janelas da sorveteria, ficavam de frente para a Praça Alencastro.


A sorveteria possuía ainda duas portas de frente para a Praça da República.


Meu pai dizia que “seu ponto comercial” era estratégico, de onde se podia assistir às retretas às quintas-feiras e domingos, com seu coreto, chafariz, gasômetro e caminhos de cerâmica, cheios de plantas e flores, para andar e namorar, com as moças e rapazes ditos da sociedade, e seus pais ou acompanhantes, sentados em seus bancos de concreto, uns com encostos, outros não.


Na calçada do lado de fora que circundava o 1º Jardim Público de Cuiabá, jovens da “semi-elite cuiabana” se divertiam fazendo voltas e contravoltas, mascando chicletes comprados no bar do Bugre, ou comendo pipoca salgada comprada na esquina do bar com a rua de Cima (Pedro Celestino).


A banda de música da Polícia Militar do Estado tocava na retreta das quintas feiras, das sete às 9 da noite, com interrupções.


Aos domingos, a banda era do 16% BC (Batalhão de Caçadores), no mesmo esquema.


Na Praça da República em frente à Catedral, nesses dias citados, também reuniam muitos rapazes e moças ao redor da bela e alta escultura pontiaguda representando as quatro estações do ano, dos seus belos jardins, sentados em bancos de concreto ou muretas para conversarem, namorarem e passearem, porém sem música, com vendedores de pipoca em seu interior.


Já naquela época existia preconceito social e racial em Cuiabá.


Os grandes eventos de Cuiabá eram realizados nas escadarias da Catedral, como os discursos poéticos e religiosos de Dom Aquino Correa, Arcebispo de Cuiabá e ex-governador do Estado de Mato Grosso (1918-1922).


Local predileto para comícios de encerramento de campanhas políticas.


Foi lá que que os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira se despediram dos cuiabanos antes de embarcarem para a 2ª Guerra Mundial na Europa.


Meu pai, da porta da sorveteria a tudo assistia, muitas vezes com a minha companhia, e a tudo contava em casa para a minha mãe.


Também os desfiles cívico-militares como o de 7 de setembro, subiam pela avenida Getúlio Vargas passando em frente as portas da sorveria do bar.


Curioso que à noite as mesas da sorveteria eram frequentadas pelas “moças do Beco do Candeeiro”, que não tomavam sorvete, mas uma cervejinha bem gelada e algumas fumavam cigarros.


Quando havia retretas elas ficam na janela assistindo ao movimento no Jardim da Praça Alencastro, e quase todas usavam, pelo menos um vistoso dente de ouro, sinal que os garimpeiros frequentavam as suas casas do Beco do Candeeiro, com lâmpadas vermelhas nas portas.


Vários jovens daquela época, têm sempre uma história que recordam com saudade, da sorveteria do bar do Bugre.


Gabriel Novis Neves

07-10-2022



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