segunda-feira, 26 de julho de 2021

QUINTAIS CUIABANOS


Aqueles da minha geração sabem perfeitamente daquilo que vou contar – os imensos quintais das antigas casas de Cuiabá.


As casas eram localizadas em uma rua e os fundos em outra e geralmente não eram planejadas. A minha possuía muitos “cômodos”. Ao fundo um enorme quintal com portão para outra rua.  Eu morava na Rua do Campo (Barão de Melgaço), e o fundo era na Rua da Fé (Comandante Costa).


Para uma dona de casa com muitos filhos e recursos parcos, era uma mão na roda para não deixar faltar o essencial na mesa. O verdureiro e outros ambulantes vinham à porta das casas dos clientes oferecendo os mais diversos produtos, como peixes, panelas de barro, farinha de mandioca fina, rapadura, doce de leite e outras verduras regionais.


A porta dos fundos da casa recebia carroças de lenha para o fogão e às vezes servia de escape às crianças para brincarem com bolinha de gude, futebol na rua não pavimentada e dar uma chegada à bela casa colonial do "sêo" Júlio (Júlio Muller) que, da sua alta janela, nos contemplava com bocaiuvas que trazia da fazenda Abolição.


O "quintalão" da minha casa produzia de tudo. Na sua parte inferior ficava a pequena granja separada da hortaliça e plantas medicamentosas para dor no estomago, indisposição intestinal que ervas do quintal resolviam.  


Subindo uma escadinha de tijolos de três degraus, entrávamos no quintal propriamente dito, onde era impenetrável a luz solar. Era um lugar úmido com o chão coberto de folhas.


Na entrada, uma enorme e velha mangueira que, após a primeira chuva de agosto, debruçava seus troncos arqueados de manga quase em cima da minha casa. A enorme jabuticabeira com tronco e galhos toda preta dos deliciosos frutos, que ajudam a regular o intestino e pressão arterial. Bananeiras com pesados cachos quase arrastando ao solo.


Pitombeiras e cajazeiras de alto porte e mangueiras de muitos tipos de manga sendo a minha preferida a Bourbon Verde. Quantas vezes chegava da escola “morrendo de fome” deixava a pasta e sapatos pelo caminho e subia ao galho mais alto para saborear aquela manga Bourbon!


Os velhos quintais de Cuiabá possuíam uma infinidade de plantas rasteiras – como melancia, abóbora e de raízes, como mandioca, batata, que às vezes subiam nos muros que separavam os quintais, levando com isso os seus frutos; mas também poderiam ser perigosos, pois era comum chegar com a lenha o escorpião, a aranha caranguejeira e a "saçurana".


Pisar com pés descalços em uma "saçurana" era correr para casa pedindo socorro, com dores insuportáveis. O remédio eram o álcool e o tempo até desaparecer a íngua inguinal.


Quintais como do Juca de Albuquerque, no bairro do Porto, até o córrego passava dentro, para alegria da criançada que bebia daquela água; eram encantadores.


Não sei como contar para netos e bisnetos sobre a casa onde cresci - hoje um estacionamento.


Eles não irão entender nunca o que relatei, a não ser se colocarem essa história de menos de meio século em um aplicativo para baixar no iPad.


Gabriel Novis Neves

24-07-2021

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