terça-feira, 27 de julho de 2021

MENINAS NO BAR


Todos sabem que nasci na "Rua de Baixo" (Galdino Pimentel), há menos de cem anos, o que em termos históricos pouco representa.


O bar do meu pai (Bar Moderno, que era conhecido apenas pelo apelido carinhoso de "Bar do Bugre") ficava muito próximo da minha casa, que era alugada do “seo” Gardés. Eu e três irmãos de uma família de nove filhos nascemos lá, na casinha que logo ficou pequena.


Não sei se consciente ou não, minha mãe só buscou novamente a maternidade após a mudança para o casarão da "Rua do Campo", onde nasceram meus últimos cinco irmãos.


Tudo era muito próximo e, desde que me entendo por gente, a primeira memória que vem era do bar do meu pai. Adorava ficar com meu pai no bar, inicialmente olhando e aprendendo, depois como garçom-mirim e ajudante da minha mãe com os salgadinhos, tornando especialista em fritar pastéis não “esturricados”. Ainda no "cargo" de garçom-mirim me lembro da chegada da moderníssima máquina de sorvetes adquirida por meu pai.


Crescidinho, tomava conta, por prazer, da sorveteria instalada dentro do bar, com seis portas e duas enormes janelas defronte à Praça Alencastro e três enormes portas e duas  janelas para a Praça da República. O estabelecimento também servia cervejas, consideradas mais "refrigerantes" que o próprio sorvete  por alguns.


À noite, esse setor era frequentado pelas “meninas” do Beco do Candeeiro e da casa da Dona Maria de Umbelina. Sempre bem vestidas, com perfumes exalando pelo corpo, "leques" para espantar mosquitos e amenizar o calor, com sorriso permanente nos lábios vermelhos de batom, onde não raro presenciávamos obturações ou dentes de ouro.


As “meninas” não tomavam sorvetes e sim uma cervejinha bem gelada e ficavam debruçadas nas janelas saboreando a retreta de domingo e possíveis clientes até às nove da noite, quando os músicos se retiravam, o “Jardim” se esvaziava e o Bar do Bugre fechava, muitas vezes "expulsando" os retardatários, com o fechamento das suas portas para o Alencastro.


Mais acima, na "Rua do Campo", nosso finado Clube Feminino foi fundado para dificultar o “trabalho” das meninas. Um grupo de senhoras da alta sociedade, preocupadas com os períodos de férias escolares e a disponibilidade dos adolescentes na migração para encontrar com as “meninas”, criaram o Clube que funcionava aos domingos depois das retretas.


Era o famoso “Bingo Dançante”, com animação de "Jacildo e seus Rapazes", uma rodada de bingo e, eventualmente, shows de artistas famosos, como Altemar Dutra. Este, na noite que se apresentou, no meio do seu espetáculo a luz da cidade foi cortada, e ante o "ahhhh!" da platéia disse que gostava mais de cantar "na garganta", sem microfone, acompanhado só com o violão. Noite inesquecível para mim. Nesses domingos dançantes, quem fornecia o salgadinho para esses encontros era “seo” Manoelito Palma, marido da D. Bembém, carregando os pastéis em enorme bacia de banho, cobertos por tecido.


Com o advento da revolução da pílula anticoncepcional e modernização da cidade, o Clube Feminino ficou arcaico, o Bar do Bugre fechou as suas portas em 1970, só restando dessa história as “meninas” com outras roupagens.


Cuiabá virou metrópole e até universidades têm, as “meninas” continuam atuando de maneira mais segura às vezes nos próprios locais de estudo.


Gabriel Novis Neves

26-07-2021


Nota do Editor: Diametralmente opostos na esquina da Praça Alencastro, a Catedral e o "Bar do Bugre" eram complementares e nunca se antagonizaram.