Minha
vida em nada combina com meu porte grifado e distante - sou um weimaraner.
Possuo
belíssimos olhos claros e pelagem acinzentada. Dizem que é uma cor de cinza só
presente na minha raça. Sou carinhoso, dócil, brincalhão e curioso.
Não
sou agressivo, mas não sou subserviente. Estou habituado ao requinte das
pessoas que praticam um dos espores mais elegantes da Europa – a caça.
Em
contraste com tudo isso, aqui na terrinha, tenho levado uma vida ao relento
desde que o meu protetor, um simpático hippie dos anos 70, tornou-se um morador
de rua.
Tínhamos
abrigo numa daquelas Kombis estacionadas na praia de Ipanema, onde ambulantes
fazem a sua feriazinha diária à custa de vendas de cocos.
Esse
pequeno detalhe, entretanto, não tirou a nossa alegria, já que continuamos com
o nosso despertar habitual logo aos primeiros raios de sol, quando partíamos,
eu e meu protetor, para uma longa e prazerosa natação na bela Ipanema.
Adoro
essa parte do dia, quando posso, descontraidamente, exercitar a minha total
liberdade.
Em
volta já começam os pequenos serviços para os banhistas madrugadores,
geralmente atletas e idosos.
Dessas
tarefas ao longo do dia depende a única refeição que assegurará a sobrevivência
do meu querido Pipão.
A
minha, fornecida pela simpatia e carinho que transmito, é da melhor qualidade,
sempre fiscalizada por uma bela loura jogadora de vôlei de praia que me
paparica como ninguém mais consegue fazê-lo.
Tanto
que estou sabendo que hoje ela me levará a um desses elegantes Pets para banho
e embelezamento.
Desde
que a prefeitura nos tirou da praia, temos tido dificuldade na busca de uma
marquise mais abrigada onde eu e meu protetor possamos dormir, pelo menos nos
dias chuvosos.
Graças
à solidariedade dos nossos amigos frequentadores do Posto 9, parece que teremos
um teto num quarto a ser alugado na comunidade do Pavãozinho, tudo pago pelos
nossos admiradores em sistema de cotização.
Muito
avesso a qualquer tipo de aprisionamento, um desses dias, despreguei-me do que
me acorrentava e saí em busca de novas experiências, quem sabe novos amores...
Infelizmente
a minha raça não tem um bom aparelho visual, apesar da beleza chamativa dos
meus olhos, e acabei atropelado na praia de Ipanema.
Mais
uma vez a sorte me sorriu e tive apenas uma pequena luxação, logo resolvida com
o auxílio de um bom veterinário.
Fui
imediatamente cercado por muitos transeuntes e a única dificuldade foi que eles
aceitassem a minha entrega ao meu protetor, que logo foi avisado que eu estava
ansioso por ele.
A
sua chegada devolveu-me a alegria e a segurança que o momento exigia e fez com
que todos se questionassem por que razão um simples mendigo tinha sido
agraciado com amizade de um cão tão elegante.
Como
caçador, perco as estribeiras quando vejo gatos, pombos e aves em geral. Eles
não me interessam como alimentação, apenas como troféus para serem mostrados
aos que confiam na nossa capacidade de exímios caçadores.
Preciso
entender que não estou no lugar onde meu DNA se fazia necessário e que aqui, na
selva urbana, preciso usar de outros atrativos para continuar a ser amado.
Enfim,
sem IPTU, sem IPVA, sem IR, sem os impostos escorchantes que aviltam os bolsos
e as cabeças de todos os outros mortais, eu e meu protetor, vamos levando uma
vida de total descompromisso e plenos de liberdade...
Gosto
de frisar “protetor”, pois a palavra “dono” não me agrada em nada. Ninguém é
dono de ninguém, e muito menos de animais ou coisas.
A
mãe natureza faz questão de nos dar tudo e, invariavelmente, nos tirar em
seguida.
Gabriel
Novis Neves
10-12-2015
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