domingo, 1 de agosto de 2021

PROVA DO AMOR INCONDICIONAL


Há 57 anos tive a prova material de um amor incondicional e duradouro. Se houvesse alguma dúvida da lealdade da minha companheira da vida inteira em me acompanhar “para onde for”, na noite da chegada em Cuiabá o episódio da “barata voadora” veio para por um fim à qualquer especulação - e que na verdade nunca existiu!


Pousamos em um avião DC3 da empresa aérea Cruzeiro do Sul no Aeroporto Marechal Rondon, ao cair da tarde. Em nossa companhia desembarcou também  o querido Padre Pedro Cometti, meu ex-professor no Colégio dos Padres, que adentrou na aeronave na parada em Campo Grande.


Toda a família foi nos receber e nos incentivar nas dificuldades que iríamos  enfrentar nos próximos anos. Regina estava grávida no oitavo mês de gestação e eu com juventude para enfrentar inúmeros desafios. Fomos direto à casa dos meus pais, na "Rua do Campo", onde jantamos.


À noitinha, Édio Lotufo nos conduziu em seu carro preto (Citroen 1952), comprado de um farmacêutico em Cuiabá, à nossa primeira morada. Ficava na então longínqua Rua Marechal Floriano Peixoto, atrás da Igreja da Boa Morte, ao lado da antiga Escola Técnica Federal, em rua não pavimentada por onde corria água cristalina dos dois lados, oriunda dos superficiais lençóis freáticos que afloravam.


A iluminação pública do local era precária mas, para nosso “consolo”, tínhamos um lindo som das rãs e sapos da lagoa em frente à Escola Técnica.


Meu colega de faculdade e cunhado ajudou-nos a retirar as malas da bagagem do carro, com o enxoval do futuro bebê. Despedimo-nos, abrimos as malas apenas para retirar a roupa de dormir e fomos nos preparar para eliminar o cansaço da viagem através de um sono restaurador.


Regina nunca tinha sequer imaginado como seria morar em antiga casa de 40 metros quadrados, sem comodidades. Não tínhamos vizinhos frontais, e à direita morava um casal maduro, sem filhos, e à esquerda, mais distante e separados por fundos de quintais, a casa de um casal de idosos de Santo Antônio do Leverger. Nossa casinha não tinha telefone, ar refrigerado e eu não tinha automóvel. Estávamos totalmente isolados do mundo.


Regina, sentada na cama, rezou longamente. Deitado, “fingia” estar bastante sonolento. Ao final das suas orações, apagou a luz do abajur. As duas janelas do quarto estavam abertas para o diminuto fundo da casa. Ao se deitar, me beijou carinhosamente a testa e se acomodou em decúbito lateral esquerdo para facilitar a oxigenação do neném.


Eu de olhos fechados esperava que tudo desse certo. Percebi que ela também tinha dificuldade para dormir, até o instante que um ruído inusitado foi ouvido no quarto. Ela imediatamente acendeu a luz e muito assustada perguntou se eu havia ouvido o barulho. - Não, respondi para acalmá-la, pois sabia o que iria acontecer. Pediu que eu me levantasse e verificasse o que havia acontecido. Fui direto à lateral do guarda roupa e vi a enorme “barata voadora” morta!


Diante da minha aparente calma perguntou, - o que aconteceu? Eu respondi com calma que era apenas uma pequena “barata voadora” e que já estava morta. Falei que a jogaria na lixeira da cozinha.


Barata aqui voa? - me indagou apavorada. 


Disse que esses insetos às vezes voavam e que era sinal de boa sorte!


Deitou-se novamente, apagou a luz e choramingou. Falei, do fundo do coração: - Se você quiser voltaremos amanhã para o Rio de Janeiro, pois o avião pernoitava em Cuiabá.


Parou de chorar e com muito respeito virou-se para mim e disse: – fico com você  - e me lascou um beijo com muito amor!


Em setembro nasceu a filha Mônica; um ano após, Ricardo; e quinze meses depois, Fernando Gabriel,  todos na maternidade de Cuiabá. Em 1980 nossa filha Mônica casou-se com Mauro Carvalho na Igreja do Colégio dos Padres, tendo como celebrante o Padre Pedro Cometti. Os meninos casaram-se jovens. Ricardo com Patrícia, Fernando Gabriel com Ana Tereza, e de todas essas uniões recebemos cinco netas e um neto,  todos com a presença da Regina.


Em 2006, levamos a protagonista da prova do amor incondicional para sua última morada no Cemitério da Piedade. Eu espero viver esse amor também na Eternidade.


Gabriel Novis Neves

31-07-2021




CLIQUE AQUI PARA VER O VÍDEO DA PREPARAÇÃO DE UM DC3 PARA VÔO, EM CUIABÁ

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