terça-feira, 3 de agosto de 2021

MADRUGADAS CUIABANAS


O período entre às 21:00h e 04:00h, era conhecido como a madrugada cuiabana. Às 21:00h a maioria da população já estava dormindo. Às 4 horas da manhã quase todos já estavam nos seus afazeres diários.


Na minha casa, por exemplo, as crianças eram acordadas pela minha mãe para revisar as lições escolares. Meu pai se preparava para tomar o cafezinho e sair de terno de tropical inglês e gravata, acompanhado por um filho para ir ao açougue do “seo” Baixote no Mercado Municipal comprar a melhor carne fresca da cidade. 


Os acontecimentos marcantes das madrugadas cuiabanas existiam e eram picantes.


Quando algum retardatário ia para casa e passava pela janela do historiador Estevão de Mendonça, era convidado a parar para ouvir histórias, já que o historiador só tinha sono na “boca da noite”. 


Como lhe faltava o sono, ia para janela encontrar alguém para um papo. Ficou conhecido por esse hábito e os "moleques" passaram a caminhar na calçada paralela à sua janela de cabeça baixa, fingindo não o ter visto. O velho historiador dava um alto “psiu”, ou chamava pelo nome, obrigando a sua presa a ouvir longas histórias. 


Desde aqueles tempos os jovens tinham a mania de achar desinteressantes conversas com idosos, o que na verdade não são.


Outro fato marcante das madrugadas cuiabanas era a colocação de envelopes pelo vão das janelas. Ao cair no chão do dormitório, produziam um ruído que acordava quem dormia. Todos já sabiam que era a Funerária do “seo” Cristiano Garcia comunicando a morte de alguém e o horário do sepultamento.


Em cidade pequena todos se conheciam e, após a leitura do “convite", ninguém mais dormia. As crianças morriam de medo, pois os velórios eram realizados na casa do falecido, decorada com cortinas pretas e a tampa do caixão encostada na parede, sendo tudo muito próximo.


No período de campanha eleitoral – estou me referindo a 1945 -, os candidatos e cabos eleitorais saiam de madrugada com latas de cola feita em casa e um rodo de borracha . Iam em todas as vidraças das janelas e pregavam  fotos dos candidatos, produzindo um ruído que acordava todos que dormiam. Imediatamente minha mãe se levantava. Se fosse propaganda do candidato do seu partido deixava, se era opositor arrancava na hora, antes da cola dificultar sua remoção.


Papai não acreditava que alguém pudesse entrar no seu bar para roubar. Certa ocasião foi acordado por batidas na janela, motor de um automóvel ligado. Eu, deitado na cama e acordado, a tudo ouvia com apreensão.


Ao lado do bar havia estacionamento de carro dia e noite. Certa noite um motorista amigo ouviu barulho dentro do bar totalmente fechado desde às nove horas da noite. Assustado, procurou o meu pai para relatar o que acontecia e o convidava para levá-lo até o local do estranho ruído.


Papai relutou em ir, pois conhecia bem a sua cidade. O motorista frustrado voltou ao ponto de taxi para continuar o plantão. Minha mãe perguntou por que não aceitou o convite, pois poderia evitar um grande prejuízo e poderia pelo menos chamar a polícia. Ele virou-se para minha mãe e disse, para acalmá-la, que o barulho era da ratazana que morava no bar onde tinham mesa farta.


Como Cuiabá era gostosa para viver com seus personagens! Hoje é uma metrópole de arranha-céus com todos os problemas de uma cidade grande, rude e sem poesia.


Gabriel Novis Neves

28-07-2021




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