sexta-feira, 6 de maio de 2022

QUADRO COM RETRATO


Assim que retornei à Cuiabá, ainda muito jovem, fui designado para exercer um cargo público de chefia.


Não pratiquei política estudantil no Rio de Janeiro e não pertencia a família de políticos.


Logo que assumi à direção do Hospital Colônia de Alienados, casualmente me encontrei com a viúva de um médico político.


Ele sempre ocupou cargos de destaques, sendo o último o de Secretário de Educação e Saúde de Mato Grosso.


 - “Soube que você é o novo diretor do hospital do Coxipó” -  ela me disse.


“Quando meu marido era secretário, visitava constantemente esse hospital”.


“Inclusive, ele foi homenageado com o retrato em um quadro.


Me disseram que quando mudou a política tiraram o quadro da parede.


Por acaso você o encontrou abandonado em algum canto?”  


Infelizmente não, foi a minha curta e triste resposta.


Continuou a senhora, - “no tempo em que ele era secretário, em toda cidade que ia visitar, um quadro com o retrato dele era inaugurado.


Pelo que sei agora, todos foram jogados no lixo com a alternância do poder no Velho Mato Grosso. ”


“Meu filho, - não deixe que coloquem o seu retrato no quadro, quando exercer um cargo público importante,” –concluiu ela.


Até hoje, passados mais de meio século, me lembro dessa conversa.


Quando transferi a direção do hospital (1966-1968), contrariando seus funcionários, só deixei as mudanças promovidas nele, inclusive a mudança do seu nome de Colônia de Alienados do Coxipó da Ponte, para Adauto Botelho.


O quadro com o meu retrato não foi pregado nas novas dependências do hospital para não ser jogado no lixo.


Fui ocupar o cargo de secretário de Educação do Estado.


Verifiquei que em um corredor da secretaria existiam vários quadros com retratos de antigos ocupantes do honroso cargo.


Deixei o cargo de secretário de Educação e no outro dia já era nomeado reitor protempore para implantar a FUFMT.


Estava invicto no quesito “quadro com fotografia”, quando, insistentemente, recebia telefonemas de um ex-representante comercial de medicamentos (aqueles que nos visitam no consultório distribuindo as amostras grátis).


Ele havia mudado de profissão, era então fotógrafo, e seu forte era vender o seu trabalho para o governo.


Era casado com uma cuiabana de família tradicional e tinha inúmero filhos, acho que dez.


Eu era o médico da sua esposa e fiz o parto de alguns.


Wilson fotógrafo era meu velho conhecido e tínhamos relações de amizade.


Certa ocasião, meses após ter deixado a Secretaria de Educação, ele me procurou em casa dizendo que o novo secretário tinha encomendado e pago um bom preço pelo meu retrato para o quadro de ex-secretários.


Já tirei o retrato dele, com certeza, já pensando no seu futuro, disse-me o experiente fotografo das vaidades humanas.


Pedi então que me fotografasse como estava, de calça e camisa curta.


Eu me sentei numa cadeira tendo nos fundos uma parede branca.


Se não perderam o quadro na SEC, poderão verificar como eu trabalhava (1968-1971), sendo o único que não havia me preparado para o retrato, vestindo terno escuro, camisa branca e gravata escura.


Até hoje não sei porque os retratos ditos oficiais têm que ser tirados de terno e gravata.


Tinha deixado à reitoria sem o quadro com retrato, e sendo o primeiro reitor, não haveria a galeria tradicional dos ocupantes dos cargos.


Tempos depois fui novamente procurado pelo fotógrafo Wilson em minha casa.


Queria um retrato meu, agora para a universidade.


O melhor seria que eu fosse até o seu estúdio.


Lembrei-o do retrato que tinha utilizado na Secretaria de Educação.


Disse que para a universidade seria diferente pois teria que usar a pelerine!


O retrato foi feito em minha casa com a luz solar, sem artifícios de um estúdio.


Hoje ocupa a galeria dos quadros com retratos dos ex-reitores na sala do Conselho dos Órgãos Colegiados. 


No Estado existem quadros com retratos meus atualizados (2003) nas secretarias de Educação, Saúde, Casa Civil.


Desconheço quadro com meu retrato na Secretaria do Meio Ambiente.


O Presidente da República que assinou o ato de criação da nossa universidade, foi Emílio Garrastazu Médici.


Para homenageá-lo, foi colocado um quadro com o seu retrato na sala do Conselho Diretor, atual sala dos Órgãos Colegiados da FUFMT.


Anos depois foi retirado, e ninguém ficou sabendo do seu paradeiro.


Meu pai era getulista, e demonstrou todo o seu apreço colocando um quadro com o retrato de Vargas no fundo do salão do seu bar.


Quando o ditador caiu na madrugada de 29-10-1945, na manhã seguinte meu pai retirou o quadro do salão e o guardou no seu escritório para impedir que manifestantes contra Getúlio o destruíssem.


Com a volta de Getúlio em 1950, o quadro com o retrato foi colocado no mesmo lugar.


Vinte anos depois, meu pai se aposentou pelo INPS, recebendo dois salários mínimos para viver mais doze anos, deixando esse benefício por mais de vinte anos para a minha mãe, graças a legislação trabalhista feita por Vargas.


Gabriel Novis Neves

04-05-2022





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