sexta-feira, 20 de maio de 2022

PENSÕES DE CUIABÁ III


Não tinha completado dez anos de idade e morava na rua de Baixo (Galdino Pimentel) em casa alugada do “seo” Américo de Barros.


Bem na esquina com a Presidente Vargas existia um casarão com sobrado, construído com tijolos de adobes.


Lá funcionava a famosa “Pensão do Chico Jorge”, de tradicional culinária cuiabana.


Chico Jorge era Arthur Jorge, o que aumentava o charme da pensão.


Uma manhã, ainda estava em casa me preparando para sair para a Escola Modelo Barão de Melgaço, quando ouvi um barulho ensurdecedor que até hoje guardo na memória.


Tal um animal, saí em desabalada corrida para o local do estrondo.


Vi ainda paredes caindo transformando, em poucos minutos, a “Pensão de Chico Jorge”, em um monte de entulhos.


Não havia focos de incêndios, mas também naquela época Cuiabá rara vezes tinha luz elétrica.


Na rua fiquei sabendo que Chico Jorge contratou um mestre de obras para modernizar seu velho casarão.


O piso de madeira fazia muito barulho quando os hóspedes caminhavam pelo andar superior da pensão.


Ele foi retirado para colocar uma laje de cimento numa estrutura de tijolo de adobe.


O casarão caiu sem vítimas, já que ele foi totalmente esvaziado para a grande reforma.


Anos depois surgiu no local um hotel moderno chamado de Centro América, todo de concreto, onde se hospedava Filinto Muller e esposa quando em visita à Cuiabá.


Hoje no local existe uma loja de tecidos, dando a entender que o hotel também foi demolido.


Chico Jorge era pai da “quituteira” Therezinha Vieira cuja última pensão ficava no final da rua Campo Grande ao lado da Igreja da Boa Morte.


Foi lá que eu levei o arquiteto Sérgio Bernardes para jantar, ouvindo Dunga Rodrigues ao piano.


Noutro casarão com sobrado ao lado da casa do meu avô, na rua Voluntários da Pátria esquina com a rua de Cima, funcionou por anos a pensão do “seo” Arão Bezerra pai do ex-governador Carlos Bezerra.


Hospedava muita gente do interior e eu menino estava sempre pela sua portaria na rua de Cima.


Sempre me atraiu a vida das pessoas nas nossas antigas pensões.


Na rua do Meio, entre outras pensões ficava a Petisqueira, sempre bem frequentada.


A pensão do seo Patrício ficava ao lado da Casa Bem Bem, e atendia, especialmente estudantes de Poxoréo.


Nós, pessoas das gerações mais antigas, temos necessidade de registrar esses fatos marcantes, impossíveis de serem entendidos pelas gerações atuais.


Como explicar as ruas do centro da Cuiabá antiga, logo após o almoço e jantar, com os fregueses saindo das pensões trazendo na boca o inseparável palito para palitar os dentes.


Na ocasião ainda não era hábito por aqui o uso do fio dental, nem tampouco as escovinhas interdentárias para retirada de resíduos alimentares.


O usado era o palito, obrigatório em qualquer mesa de pensão.


O palito para uso dentário também era símbolo de fartura de quando a carne estava ao alcance de todos, e a higienização com ele se fazia com uma mão, e a outra cobria a boca, como sinal de boa educação.


Gabriel Novis Neves

17-05-2022




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