Sempre fui muito discreto, tanto na minha vida pública quanto na particular. Jamais engrossei o cordão da ‘ostentação’, embora mil facilidades tivesse.
Esse meu modo de proceder talvez resida no temor de vir a ser incompreendido.
Guardo um sem-número de cobranças absurdas de que fui alvo.
Lembro-me, certa vez, de um multiempresário de Mato Grosso. Sua fama corria fronteiras. Por nadar em dinheiro, conquistou boa parte da sociedade pela ‘boca’.
Na ocasião, para comemorar seu aniversário, ‘fechou’ o principal restaurante da cidade. Um luxo só!
No afã de esbaldar-se, trouxe cozinheiros, garçons, recepcionistas, vinhos, frutos do mar. As toalhas e talheres, que primor! As sobremesas, uma delícia! Veio tudo de uma capital do Sul do país.
0 conjunto musical, pra lá de badalado. Em suma, tudo às maravilhas.
A indumentária dele, nem se diga! Obra-prima de uma loja de roupas exclusivas. É lógico que isso se estendia à sua companheira.
Charutos cubanos, dos mais finos, eram oferecidos aos seletos convidados. Quanto às mulheres, fartou-as de brindes. Que ostentação!
À noite, deslumbramento total. Não havia visto nada igual. Mulheres elegantes desfilavam pelos salões, pavoneando seus ricos vestidos. Dirigentes dos poderes do Estado, todos de queixo caído.
Dias após o evento, que marcou época, uma socialite que esteve na festa, se dirigiu a meu consultório.
Ao ingressar na sala, antes mesmo de dizer a causa de sua presença, cobrou-me o motivo da ausência no jantar do empresário.
O que acabo de esmiuçar, foi-me reportado por ela. Estonteada com o que viu, pontuou: Você não tem a mínima ideia do que perdeu!
Depois emendou: Tinha frutos do mar à beça. Tanto, que eu me esbaldei: enchi a barriga, empanturrando-me deles. Cada camarão dos graúdos, de dar água na boca!
No fritar dos ovos, quis porque quis saber a razão de não comparecer a essas festas. Verdade é que essa paciente, a quem acompanhei até que a aposentadoria me sorrisse, em tempo algum entendeu a forma discreta do meu jeito de ser.
Doutra feita, espingardeou: Você poderia ter melhor aproveitado sua vida, mas não fez!
Os pretensos ‘amigos’ do empresário acabaram por se afastar dele, ainda que os ventos da fartura continuem a bafejá-lo. O orgulho imperial não mais o acaricia.
Minha paciente elegeu outro médico para dar-lhe apoio. Eu, no alto dos meus bons anos, mantenho remoçada minha discrição social: de casa só me afasto quando a necessidade extrema me impõe.
No escrever temas que abarcam tópicos do meu cotidiano, cuido de emprestar a eles a mesma discrição que, vida afora, me tem distinguido.
Para não mais fatigar sua atenção, finalizo com este provérbio que, para mim, soa como um versículo bíblico: ‘boa romaria faz quem em sua casa fica em paz’.
Pauto a minha ‘discrição’ pela dos meus saudosos pais. Prato à moda da casa.
Gabriel Novis Neves
7-11-2023
Fotografias do Cirio de Nazaré, em diversos anos
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