domingo, 11 de setembro de 2022

A BURRA DO BUGRE


Por Maria Manuela Renha de Novis Neves


O primeiro filho do Bugre, Gabriel, sempre fala dos irmãos, o que me estimulou a publicar fatos esparsos sobre o Pedro. Enfatizei a relação amorosa dele com a mãe, já que Gabriel expôs, antes, o que a família sempre soube, ou seja, certa preferência do Bugre pelo Olyntho, filho homem mais jovem.


Não pretendo entrar no mérito da questão ou dos fatos que geraram essa opinião familiar. E, sim, num episódio pessoal que me confirmou que o Olyntho tinha, com muita certeza, um jeito especial de "tocar" o Bugre, até em assuntos que eram questão fechada para o pai.


Chegando de férias do Rio, ainda só com nossa primeira filha (Janaina, menos de 2 anos), o Pedro e eu fomos visitados com certa urgência pelo Olyntho, avisando que no Bairro Jardim Petrópolis (recém-inaugurado e onde ele já morava) as últimas casas estavam sendo vendidas. Oportunidade de comprar nossa primeira casa.


Quase final de tarde, bagagem da viagem ainda pela casa alugada, houve certa resistência do Pedro àquela urgência, mas eu acolhi a insistência do Olyntho e lá fomos nós, junto com ele, até o escritório da imobiliária no próprio bairro. Informaram de que só restava uma casa, já comprometida, dependendo só da entrada naquele fim de tarde. Ainda assim fomos todos juntos ver a casa.


Vizinhança já instalada, crianças brincando na rua, "clima" familiar e agradável, próxima ao local de trabalho (Universidade), pensei ser ali que gostaria de estar e aumentar a família. Mas o administrador foi cético porque a qualquer hora poderia chegar a prometida entrada para a casa.


E essa entrada era alta. Insistimos na negociação praticamente com chance zero. Aí veio a pá de cal na nossa pretensão - a não ser que nós pagássemos em dinheiro vivo a tal entrada antes da ida do outro pretendente.


Como? Chegando de viagem, sem tostão no bolso, sem reservas bancárias, vivendo dos salários e.... onde arrumar esse valor em dinheiro vivo naquela já quase noite? Desânimo e frustração. Foi então que Olyntho, assim do nada, levantou a lebre numa inspirada possibilidade -- a "burra" do Bugre.


E o que era a "burra" do Bugre, que toda a família conhecia de longe, porque só o já Velho Bugre chegava perto e sem testemunhas, resguardada no seu amplo quarto? Inexpugnável.


A " burra" do Bugre era um daqueles cofres antigos, pesadões, irremovíveis. Fechado a 7 chaves, intocável na forma e no conteúdo interno. Ali ele guardava e zelava, enquanto na ativa, as "férias" diárias do Bar, para as despesas e pagamentos, sempre em dia, e dos gastos com a manutenção doméstica ou alguma séria eventualidade familiar.


E continuou sendo território exclusivo dele, já na cadeira de balanço. Tudo passando pelo seu crivo - a "burra" era reserva e não um banco pra emprestar a quem quer que fosse, até porque os ganhos já estavam reduzidos com o aluguel dos espaços do Bar e o lado "contador" dele era muito apurado. Nada faltava na vida doméstica, mas um perdulário, ele não era.


Sabendo-se disso, a "burra" do Bugre fazia parte como personagem familiar, mas poucos ousavam tentar alguma intimidade com ela. E, de repente, o Olyntho tem aquela inspiração, única forma de ter o dinheiro vivo para a corrida da entrada naquela noite mesmo. Pedro duvidou - da "burra"? Nunca que papai vai concordar.


Eu tive esperança no poder de toque do Olyntho no Bugre e prometi na hora, que, em 3 dias, obteríamos empréstimo bancário e faríamos o retorno do dinheiro vivo ao conforto da "burra". E Olyntho - "aí, sim. Pra mim, o Bugre abre a burra. Vamos lá”. Não digo que foi fácil, até porque a quantia era meio salgada. Mas o toque mágico foi o dito do Olyntho - "pra mim o Bugre abre a burra”. E com o compromisso dos três dias. Cumprido por mim e pelo Pedro, entregue no mesmo ritual junto com Olyntho, enquanto o dinheiro vivo voltava ao seu ninho. E ainda ganhamos um elogio do Bugre - "assim eu gosto”.


Talvez o Olyntho não lembre destes fatos. Eu nunca esqueci do empenho dele, da confiança (ainda que terceirizada) do Bugre no Pedro e em mim ao nos abrir a sacralizada "burra" e na generosidade de ambos. Sou muito grata.


Foi nessa casa que nasceu minha segunda filha (Manaíra) e onde podemos oferecer às nossas filhas a infância mais saudável e livre da época - pés descalços, quedas de bicicletas, TV trocada por brincadeiras com a vasta meninada da vizinhança até de noite, amplos espaços juntando varanda e rua, vozes desses prazeres em grupo ouvidas de dentro de casa. Não podia ser melhor.


Como última curiosidade, já que o irmão da vez é o Olyntho, inesquecível também quando, após as brincadeiras, banho tomado e roupa de dormir, minhas filhas pediam uma voltinha de carro. Não me lembro de em nenhuma dessas vezes não ter cruzado com Olyntho andando devagar pelo Bairro, adormecendo a Marcela no colo, recostada no ombro dele.


Esta é uma historinha sem maiores pretensões porque me senti à vontade pra contar após a crônica em que Gabriel tornou pública certa preferência do Bugre pelo Olyntho. Não fosse isso, jamais aquela casa seria nossa. Basta lembrar a segurança da frase do Olyntho - "pra mim, o Bugre abre a burra". E assim foi.


28-08-2022





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