Na manhã do dia 31-07-1964 estava com a Regina, e muita esperança, no Aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro de retorno para à minha cidade natal.
A empresa aérea que escolhi para nos transportar foi a Cruzeiro do Sul, por ser a única que fazia o voo direto com um moderno avião à jato até a cidade de Campo-Grande, hoje a capital de Mato Grosso do Sul.
Lá trocamos de equipamento por um velho DC3 até Cuiabá, numa viagem bem mais agradável e rápida que aquela de março de 1953.
O aeroporto daqui já era pavimentado, e é o atual Aeroporto Internacional Marechal Rondon de Várzea Grande e Cuiabá.
Pedi ao Adélio, meu colega de plantão do Hospital Souza Aguiar, que me levasse ao Galeão.
Lá chegando, entreguei-lhe em um envelope lacrado o meu pedido de demissão de médico concursado, efetivo e estável da Guanabara.
“Se dentro de trinta dias eu não aparecer no plantão, por favor entregue o documento no setor de pessoal do hospital” - eu lhe disse emocionado.
Nunca mais tive notícias desse querido colega mineiro.
No Galeão uma multidão viajando para todas as partes do Brasil e principalmente para o exterior.
Encontrei com o meu professor de embriologia, Bruno Alípio Lobo Neto, que embarcava para um Congresso nos Estados Unidos da América.
Ele me perguntou se eu iria também.
Respondi: estou voltando para trabalhar em Cuiabá.
Ele apenas sorriu e se perdeu nas filas de embarques dos voos internacionais.
De Campo Grande para Cuiabá o avião vinha com poucos passageiros e para nossa alegria sentou-se entre nós meu professor do colégio dos padres, o Padre Pedro Cometi.
Conversou muito com a Regina, passou minhas informações a ela, disse que seríamos felizes e eu era “muito inteligente. ”
Meus pais foram ao aeroporto nos receber, e meu colega e cunhado Édio Lotufo no seu velho Citröen para ajudar a trazer as malas da mudança.
Fomos para a casinha de oitenta metros quadrados na Marechal Floriano Peixoto, rua não pavimentada, alugada de Eurico Saraiva, próxima à casa de Zulmira Canavarros, ao lado da antiga Escola Artífice Federal de Cuiabá.
Deixamos as malas fechadas.
Regina abriu apenas a que continha o enxoval, e fomos jantar com os nossos pais e irmãos na casa da rua do Campo.
Minha família era numerosa e uma das minhas irmãs namorava o bancário e radialista Paulo Zaviaski, que apresentava na Rádio a Voz d´Oeste, às nove horas da noite, o noticiário de maior audiência de Cuiabá – “O Grande Jornal Falado. “
Cuiabá ainda não possuía televisão, e antes de apresentar o programa radiofônico, ele foi à casa da minha mãe para me cumprimentar e conhecer a Regina.
Na despedida pediu a mim e a Regina que ligássemos o rádio às nove horas, o que fizemos.
Após a vinheta do programa, ele lia as manchetes do dia.
Nesse dia ele leu para que todos pudessem ouvir: “Sumidade médica chega à Cuiabá! “
Era a notícia do nosso retorno médico para exercer a profissão.
No outro dia não fui à Santa Casa, com vergonha dos colegas mais antigos, dos amigos de infância pelas ruas e da porta do bar do Bugre, centro dos fuxicos de Cuiabá.
Até hoje sinto vergonha da manchete do rádio do dia em que voltei para ficar na minha cidade natal, com menos de cem mil habitantes.
A primeira noite que dormimos em Cuiabá foi decisiva para a nossa vida matrimonial e profissional.
Regina demonstrou todo o seu amor comigo e com a cidade que escolheu para viver, ter os seus filhos, morrer e ser sepultada, há 17 anos no Cemitério da Piedade.,
Estávamos prontos para dormir e senti que ela estava com uma preocupação elegantemente contida.
Disse-lhe com muita cautela que se ela quisesse no outro dia cedo voltaríamos para o Rio, pois na pior das hipóteses tínhamos um bom emprego que garantiria nossas refeições.
Ela não me respondeu, rezou, me beijou na testa, virou-se em decúbito lateral esquerdo, por orientação do obstetra, e desligou a lâmpada do abajur da cabeceira da cama.
Eu imóvel na cama fingia dormir, sabendo que a Regina estava com dificuldade de “pegar no sono”.
No silêncio do quarto ouço o ruído de um animal voador batendo suas asas no guarda roupa e caindo no chão.
Regina imediatamente acende a luz do quarto, senta-se na cama e me pergunta se eu tinha ouvido.
Disse que não, pois dormia profundamente.
Ela me relata o acontecido e pede que eu faça uma vistoria no dormitório.
Já sabia o que tinha acontecido, e temia na nossa primeira noite em Cuiabá.
Pelas janelas do dormitório entrou uma enorme barata voadora que se chocou com o guarda roupa caindo morta no chão.
Demonstrando tranquilidade disse não ter sido nada, apenas uma barata voadora que iria jogar na lixeira da copa.
Assustada ela me pergunta: barata aqui voa?
Um mês depois, em sete de setembro de 1964, na Maternidade de Cuiabá, da rua 13 de junho, nascia de parto normal pelas mãos de Clóvis Pitaluga de Moura, minha filha Monica.
Gabriel Novis Neves
02-07-2023
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.