Transcrevo abaixo uma pesquisa do nosso ex-aluno de engenharia Pedro Soares.
Trata-se de um texto rico em documentação sobre a História do Ensino Superior em nosso Estado.
Ele relata a luta para a implantação do ensino superior, que começou em Vila Bela da Santíssima Trindade em 1808 e que terminou em 10 de dezembro de 1970 com a criação da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso, com sede em Cuiabá.
Muitos dos combatentes do século passado pelo Ensino Superior não estão mais entre nós, porém, não devemos esquecê-los.
Quase 53 anos são passados e o nosso ex-aluno Pedro Soares nos convida para um voo sobre o passado.
Discutir sobre educação sempre foi prioridade de todas as classes sociais.
O trabalho compartilhado vence todas as dificuldades, mesmo quando o assunto é educação.
Vamos à leitura!
Obrigado Pedro!
“Compreender a Gênese, daquilo que viria a ser a nossa querida UFMT, nos convida a fazer um grande mergulho no tempo, onde os esforços para viabilizar o ingresso dos alunos em um curso superior em nossa terra identifica uma primeira semente plantada em 1934, através da Faculdade de Direito de Cuiabá.
Uma ata de reunião datada de 29 de janeiro de 1933 no antigo Lyceu Cuiabano, confirma a reunião para a fundação da Faculdade de Direito de Cuiabá, na presença de José de Mesquita, Oscarino Ramos, Oscar de Lacerda, Leônidas Mendes, Fenelon Müller, João Ponce de Arruda, Theodorico Corrêa, João Vilasboas, Albano Antunes de Oliveira Trigo de Loureiro, Arthur Mendes; Professor Phiologonio de Paula Corrêa, Professor Alcebiades Calháo, Advogado Arcílio Pompeu de Barros, Professor Francisco Ferreira Mendes, Manoel Ramos Lino, Antônio Tenuta, Octavio Cassiano da Silva, José Rodrigues Palma, Euchario Augusto de Figueiredo.
O encontro ocorreu após o Diretor do Lyceu Cuiabano, Alcebiades Calháo, ter recebido a incumbência do Interventor Federal, Leonidas de Matos, para coordenar a criação em Cuiabá de Escolas Superiores.
Em 6 de abril de 1933, os fundadores da Faculdade de Direito de Cuyaba haviam aprovado o seu Estatuto, numa Assembleia Geral, na Diretoria do Lyceu Cuiabano, sendo o seu primeiro diretor
Sr. Palmyro Pimenta, tendo a primeira turma 18 alunos, cujas aulas eram realizadas no Palácio da Instrução, um prédio magnífico situado no centro da cidade, inaugurado em 1914.
Entre estes alunos, estava Júlio Strübing Müller que em período recente já havia ocupado os cargos de Prefeito de Cuiabá em 1930-1932, Chefe de Polícia do Estado em 1932.
Além disso foi Deputado Estadual de Mato Grosso em 1934, vindo a ser Governador de Mato Grosso em 1937 e Interventor Federal no período de 1937 até 1945.
Getúlio Vargas foi o primeiro presidente a visitar Mato Grosso no exercício do cargo, vindo para cá no dia 06 de agosto de 1941 inaugurar um conjunto de obras realizadas, entre as quais se destacava o Palácio da Justiça que acabou sendo finalizado apenas em 1942.
Entre os anos de 1937 a 1945 o Interventor Júlio Muller realizou obras estruturantes em Cuiabá, sobre a supervisão do Engenheiro Cássio Veiga de Sá, entre as quais a Residência dos Governadores, o Grande Hotel, a Secretaria Geral, a Estação de Tratamento de água, o Palácio da Justiça acima citado, o Cineteatro de Cuiabá, a Ponte sobre o Rio Cuiabá, a Maternidade, a Estação elevatória de água, o Hotel Águas Quentes, a Usina de Pasteurização de leite, o Colégio Estadual Liceu Cuiabano, o Pavilhão de Exposição Agropecuária e a própria Avenida Getúlio Vargas.
Cabe ressaltar que neste período já havia forte movimento separatista, de maneira a eleger Campo Grande como capital, uma vez que Cuiabá era uma cidade isolada, sem estradas aos grandes centros urbanos do país, o transporte era feito por via fluvial ou por hidroavião com capacidade de apenas 4 lugares.
Em contrapartida, Campo Grande já dispunha inclusive de linhas férreas que chegavam até as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, tendo também um aeroporto quer permitia o pouso e a decolagem de aviões de até 18 lugares.
Sem a realização dessas obras estruturantes no período, ficaria cada vez mais difícil a Cuiabá sustentar a condição de sede de governo, pois não tinha sequer edifícios adequados para a administração pública, muito menos um hotel que pudesse receber bem os visitantes.
Em 1936, a Lei Nº 26 de 18 de setembro de 1936 criava a Faculdade de Direito de Mato Grosso, que viria a incorporar a Faculdade de Direito de Cuyaba. Aqueles 18 alunos iniciais, por uma série de motivos, acabaram não se formando, inclusive o próprio interventor Júlio Strubing Muller.
Todavia, já em 1939 esta Faculdade também viria a ser fechada por falta de professores, devido a Constituição Federal que foi promulgada em 1937, passando a prever a proibição de acúmulo de cargos e remuneração na administração pública, sendo os professores da faculdade magistrados ou promotores, não havendo qualquer vantagem na época em se optar pela docência.
Esta situação chegou a tal ponto que em 1939 não havia mais professores e a faculdade precisou ser fechada, os seus alunos, na época, perderam estes 2 anos de estudos e nunca foram reembolsados.
Com a Constituição de 1946, que preveu a Educação como um Direito de Todos, houve a alteração para que juízes pudessem acumular, além da magistratura, uma função de magistério em nível secundário ou superior, fato que viabilizou em 5 de setembro de 1952 um novo esforço, criando a Faculdade de Direito de Mato Grosso através da Lei Estadual Nº 486, sediada em Cuiabá.
Devido à enorme falta de profissionais habilitados no período, cabe mencionar que haviam no Estado de Mato Grosso, nesse período, vários magistrados e advogados leigos, pela dificuldade em suprir a falta de profissionais qualificados em várias comarcas do interior.
Em 1954, o Liceu Cuiabano, que foi construído na Av. Getúlio Vargas, passou a ser a segunda sede de uma Faculdade de Direito em Mato Grosso.
Contudo, uma série de falhas insanáveis apontadas por uma inspeção do MEC fez a faculdade ser fechada por decreto, para fazer uma grande adequação junto a Diretoria de Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura, sendo reaberta em 1957, através do Decreto Lei Nº 120 de 5 de setembro de 1956, tendo o início das atividades no ano seguinte.
O Curso da Faculdade veio a ser reconhecido em 3 de dezembro de 1959 através do Decreto 47.339.
Coube ao Deputado Ytrio Corrêa a iniciativa que possibilitou federalizar esta instituição, pedra angular para uma futura Universidade em nosso Estado.
Os bacharelandos da primeira turma desta faculdade estadual, que iniciaram os estudos em 1957, colaram grau já na Faculdade Federal de Direito de Mato Grosso em 22 de dezembro de 1961.
Em 1966, Pedro Pedrossian foi eleito governador do estado, implantando mudanças radicais na Infraestrutura e Logística da região e mudando a forma de se fazer política, combatendo fortemente o clientelismo que reinava nas relações de poder com privilégios e oligarquias locais, o que lhe causou forte oposição, inclusive um pedido de impeachment no período.
Além da infraestrutura, priorizou a criação de uma Universidade no Estado, para que a região pudesse suprir profissionais qualificados de nível superior para ocupar as posições necessárias ao desenvolvimento e progresso do estado.
Contudo, Campo Grande saiu na frente, criando um fortíssimo movimento pró-universidade em 4 de junho de 1967, levando o povo de Cuiabá a reagir de imediato, para não perder protagonismo.
No dia 14 de junho de 1967, por meio do plenário, a proposta do deputado Milton Figueiredo, encaminhada para o Presidente da República, Marechal Artur da Costa e Silva e ao Ministro da Educação Paulo de Tarso de Morais Dutra, reivindicava a sede da Universidade Federal de Mato Grosso em Cuiabá, endossando o projeto apresentado ao Congresso Nacional, pelo deputado Federal José Garcia Neto, no dia 27 de maio de 1967.
Neste projeto apresentado, o deputado iniciou o discurso mostrando que o Brasil era um país que apresentava atrasos em todos os graus do setor educacional, quando comparado a outras nações.
Enquanto nos Estados Unidos da América havia 217 universitários para cada 10 mil habitantes; no Canadá, 130; na França 106; na Argentina, 100; no México, 60; na República Árabe Unida, 50; na Bolívia, 21; no Brasil só tínhamos 15.
Se participassem apenas, os países americanos, o Brasil, em número de universitários por habitante, só estaria à frente de Haiti, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua.
Em 1967, já havia faculdades de Direito, Filosofia, Ciências Econômicas e de Engenharia em Cuiabá, além de Faculdades de Farmácia, Odontologia, Filosofia e Ciências Médicas em Campo Grande.
Contudo, a maioria desses cursos ainda não era reconhecido.
De todas estas, a única instituição federalizada era a Faculdade Federal de Direito de Mato Grosso.
Contudo, o projeto de Lei do Deputado José Garcia Neto foi considerado inconstitucional, cabendo ao Deputado Federal Celso Amaral uma importante iniciativa, fazendo a apresentação de três medidas que possibilitariam agrupar as forças entre o poder estadual e federal.
Esta estratégia abriu caminho para que uma Universidade Federal pudesse ser viabilizada nos anos seguintes, através da criação de um fundo que contaria com recursos do governo estadual e federal, da SUDAM, da SURSAN, além de alianças propostas junto a UNESCO e a OEA.
Foi então apresentado ao Presidente da República pelo Deputado José Feliciano de Figueiredo um Memorial Expositivo desses compromissos, inclusive a criação de uma taxa universitária no estado para viabilizar aporte de recursos para esta finalidade.
Em apoio aos movimentos dos parlamentares federais, estaduais e ao povo cuiabano, o Diretor da Faculdade de Direito Federal de Cuiabá, Alcedino Pedroso da Silva assumiu o comando da Campanha Pró-Universidade em conjunto com os Coordenadores Domingos Savio Lima, Omar Canavarros, Raul Santos Costa, Édio Santana de Amorim e Dr. Jecelino Reiner, Diretor da Faculdade de Filosofia.
Nesse ínterim, Campo Grande reivindicava a Sede da Reitoria da Universidade a ser criada em 1968, havendo forte perspectiva de que a nova universidade viesse a ser instalada lá.
Contudo, o Conselho Federal de Educação assumiu parecer desfavorável a criação de uma Universidade em Mato Grosso porque ambas as cidades não atendiam aos requisitos mínimos necessários, tendo menos de 05 faculdades de áreas diversas do conhecimento já reconhecidas, nem apresentarem uma demanda de estudantes concluindo o ensino médio que justificasse os altíssimos investimentos para se criar e manter uma universidade.
Foi sugerida então a implementação deste projeto a longo prazo.
Numa primeira etapa, poderia ser criado cursos técnicos, para num segundo momento poder ofertar cursos superiores.
Diante deste desafio, o Governador criou uma comissão de estudos para poder viabilizar uma estratégia para a Fundação da Universidade Federal em Mato Grosso, coordenada pelo Secretário de Educação e Cultura Gabriel Novis Neves.
Com participação de: Dr. Atílio Ourives do ICLC (Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá), Dr. João Pereira Rosa que era Diretor do ICBCG (Instituto de Ciências Biológicas de Campo Grande), Dr. José Scanpini, Diretor da Faculdade de Direito de Campo Grande, Dr. Breno Medeiros de Guimarães, Prefeito de Corumbá e também o Dr. Domingos Sávio Brandão Lima, Desembargador.
O Estudo desta Comissão foi encaminhado ao Ministro Paulo de Tarso de Morais Dutra, que prometeu um rápido encaminhamento antes de deixar o seu cargo, que veio a ser ocupado pelo Ministro Jarbas Passarinho.
O Governador Pedro Pedrossian se encontrou com o novo ministro que apoiou a iniciava, de modo que em seu retorno a Mato Grosso, ele já pudesse ir preparando as condições para implementação da Universidade, que ficou sobre a Coordenação do seu Secretário de Educação e Cultura Gabriel Novis Neves.
O Governador Pedro Pedrossian enviou então a Assembleia Legislativa um pedido de autorização para vender o prédio da Imprensa Oficial do Estado para o Banco da Amazônia S.A, obtendo os recursos iniciais necessários para a construção da cidade universitária.
Ele obteve apoio dos parlamentares para a aprovação, sendo o Presidente da Assembleia naquela oportunidade o Deputado Renê Barbour.
Foi instituída a Fundação da Universidade Federal de Mato Grosso pela Lei n. 5.647, de 10 de dezembro de 1970. O Deputado Federal José Garcia Neto, quando da aprovação do texto na Câmara fez um retrospecto de toda esta luta e salientou a contribuição de várias autoridades como o Deputado Gastão Muller e o Senador Filinto Muller.
O Ministro da Educação e Cultura, Jarbas Gonçalves Passarinho designou, por meio da Portaria n. 126 de 16 de março de 1971, o Secretário de Educação e Cultura do Estado de Mato Grosso, Gabriel Novis Neves para responder pela Reitoria da UFMT.
Em 5 de maio de 1971, o Presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, de acordo com o disposto no artigo 6º da Lei n. 5.647, de 10 de dezembro de 1970, nomeou os membros titulares do Conselho Diretor da UFMT:
• Gabriel Novis Neves e Benedito Pedro Dorileo para mandato de 6 anos;
• José Vidal e Oswaldo de Oliveira Fortes, mandato de 4 anos;
• Bento Machado Lobo e João Celestino Corrêa Cardoso Neto, mandato de 2 anos.
Estes são os principais autores desta longa epopeia em busca da oferta de cursos superiores em Mato Grosso, de forma a usufruirmos hoje, em Cuiabá, uma Universidade Federal.
Integrando os Institutos de Três Lagoas, Campo Grande e Corumbá foi criada a Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT) que, após a divisão dos estados veio a ser federalizada, passando a se chamar Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) ”.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS PELO AUTOR:
A História da UFMT: Faculdade de Direito, Pedra Angular da Universidade Federal de Mato Grosso (1961-1976) Editora Edufmat Digital 1ª Edição Ano 2022. Autores: Rodolfo de Carvalho Ancheschi e Nilce Vieira Campos Ferreira.
Mato Grosso: Estado Solução, Editora Entrelinhas, Ano 2014. Autor José Garcia Neto
Pedro Pedrossian - O Pescador de Sonhos, Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, Ano 2006. Autor: Pedro Pedrossian
Gabriel Novis Neves
17-07-2023
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