terça-feira, 4 de maio de 2021

FUNDO DO BAÚ

Remexendo nos arquivos do meu computador descobri uma tese de doutorado da professora de História, Simone Cordeiro Costa Guedes, da UNB  de 2010, sobre a história do Hospital Adauto Botelho, período de 1931-1979.


Nessa tese ela faz uma profunda análise da história da psiquiatra em Cuiabá. 


A coleta do material para seu trabalho foi mais oral do que escrito. Esse se limitou a leitura de jornais na época. 


Ela entrevistou quinze pessoas, entre médicos, enfermeiros, assistente social, odontólogo e colaboradores.

Gostaria de publicar a tese na sua íntegra, mas duzentas e cinquenta e três páginas inviabilizaram o meu desejo.


Fui um dos entrevistados pela professora Simone. Ocupava na época o cargo de diretor daquele manicômio, em 1966 e 1967, a convite do governador Pedro Pedrossian. 


Como recebi carta branca do governador para dar o melhor tratamento aos pacientes, aceitei a missão. 


Fui aluno da psiquiatra Nise da Silveira, mas não sou psiquiatra e jamais imaginei que seria diretor do Hospital Colônia de Alienados do Coxipó da Ponte.


A princípio foi até difícil eu contar para meu pai que havia sido nomeado para aquele cargo. Isto porque havia naquele tempo muito preconceito ao profissional que fosse atuar junto aos “loucos”.


As transformações no hospital continuaram,  mesmo após minha saída no início de 1968 para assumir a Secretaria Estadual de Educação, Cultura, Esporte e Lazer. 


Farei um breve resumo da história daquele hospital. 


Na época em que assumi, o hospital era um verdadeiro depósito de moradores de rua, alcoólatras, mendigos, doentes crônicos de doença mental e até menores abandonados.


Não havia leitos suficientes para essa demanda e reinava a mais absoluta e inaceitável promiscuidade entre homens, mulheres e crianças.


Era comum gravidez de pacientes em tratamento sem identificação do pai. Bom lembrar que naquela época não se fazia o DNA.


O odor fétido tomava conta daquele espaço. A maioria dos pacientes andava sem roupas. Existiam as celas fortes para pacientes em surtos agudos de psicose, que eram acorrentados pelos pés. No nível da cela ficava a privada e, não raramente, pacientes misturavam refeições que recebiam com fezes.


Minha primeira ação foi cuidar da limpeza e higiene dos pacientes.


Adquirimos leitos hospitalares, colchões, roupas de cama e uniformes para homens e mulheres. Compramos também ventiladores de teto.


Mandei chamar um cabelereiro e manicure, além de instituir o banho obrigatório, sempre supervisionado por uma auxiliar de enfermagem.


Acabei com as celas fortes e transformei os espaços em oficinas de costura.


Contratei de uma só vez quinze auxiliares de enfermagem. Duas mandei para Goiânia com bolsa para fazer o curso de graduação em enfermagem.


È bom lembrar que naquela época não havia universidade em Cuiabá.


Contratamos também a “Donana”, uma cozinheira muito famosa em Cuiabá.


Começamos a modificar a parte estrutural do manicômio. A antiga cozinha foi transformada em área de lazer para os pacientes e aos sábados pela manhã, em local de práticas forenses para alunos da Faculdade Federal de Direito, com direito a chá com bolo da Donana e um joguinho de sinuca no final das aulas práticas.


Nova cozinha foi construída com mesas e cadeiras para todos os pacientes.


Havia uma copa para funcionários e visitas. A fama da comida do Adauto Botelho logo se alastrou pela cidade, e o Governador Pedrossian, sempre de surpresa, vinha comer o bife acebolado da querida cozinheira.


Virei professor de Medicina Legal da Faculdade de Direito, sempre lecionando Psiquiatria forense.


O Estado ainda não havia sido dividido, não possuía Manicômio Judiciário, e os pacientes eram encaminhados para nós.


O Juiz da Vara da Infância mandava levar para o Hospital crianças que viviam nas ruas de Cuiabá e, vez por outra, chegaram a abrigar até dez menores.


Eu mandava soltá-las, pois no hospital corriam todos os riscos possíveis. Um dia encontrei com o Juiz internador de menores em hospital de alienados. Ele me disse, falando sério – “vou mandar te prender por descumprir ordem judicial! Fica sabendo que o juiz manda!”


A melhoria da parte estrutural e aumento da área destinada aos pacientes foram realizados em dois anos.


Construímos alguns apartamentos que seriam para pacientes conveniados e particulares, propiciando uma renda própria ao hospital. Desse valor trinta por cento acrescentava aos míseros salários dos funcionários.


Como melhorou o atendimento no hospital! Todos da saúde queriam trabalhar no hospital que melhor pagava seus funcionários. O Governador sabia de tudo e aplaudiu a medida.


Jardins internos, campo de basquete, vôlei e até futsal com piso de concreto foram colocados à disposição de pacientes e funcionários. Possuía torres de iluminação para a prática de esportes noturnos.


Construímos também, fora dos muros do hospital, um campo de futebol com dimensões oficiais. Clubes famosos de Cuiabá, como o Misto Esporte Clube, treinavam lá.


Era a sociedade tendo uma nova visão de loucura!


Adauto Botelho,  hospital que atende todo o Estado, luta contra a insanidade mental, escrevia um periódico de Cuiabá em 1968.


Gabriel Novis Neves

04-05-2021

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