Na rua dos fundos do meu edifício foi instalado um chique restaurante que só funciona para o jantar.
Por volta das 18 horas ouço suaves canções que vêm de lá, interpretadas por grandes nomes da nossa popular música brasileira.
Do meu escritório, no vigésimo andar, capto com clareza e perfeição as ondas sonoras que vencem o barulho dos veículos e me trazem uma sensação de profundo bem-estar.
Fiquei condicionado a esse presente auditivo, que me estimula a escrever com leveza e alegria.
Ontem, não sei por que, a música não veio. Faltou o encanto que já fazia parte do meu entardecer.
Encerrei mais cedo o trabalho, torcendo para que hoje o restaurante retorne sua rotina musical.
Foi apenas quando estudei o sistema nervoso autônomo que compreendi os mecanismos desse tipo de resposta — uma das muitas diabruras criadas pelo nosso cérebro.
O condicionamento está presente em todas as fases da nossa vida, desde o nascimento.
As canções de ninar são nossos primeiros reflexos condicionados, conduzindo ao sono fisiológico. E quanta beleza os artistas já criaram nesse gênero!
Uma das recordações mais remotas de um adulto é cantarolar a canção que aprendeu com a mãe balançando na rede.
Até hoje esse hábito resiste.
Sem a música do restaurante sinto dificuldade de escrever. Procuro algo para preencher esse vazio existencial.
Fui para o quarto dormir, esperando que o novo dia traga de volta a minha música das seis da tarde.
Quero matar a saudade de escrever embalado pelas canções que vêm do fundo do meu edifício.
Se nos viciamos em ouvir músicas, por quê não em estar com as pessoas ao nosso redor?
Os pequerruchos estranham a ausência de contato humano — choram.
Com o tempo e o crescimento se acostumam.
Será que também me acostumarei ao silêncio musical do restaurante?
Gabriel Novis Neves
14-06-2025
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