Remexendo as gavetas entupidas do meu escritório à procura de uma foto antiga de março de 1953, encontrei uma preciosidade histórica, que foi a fala em fevereiro de 1982, quando renunciei ao cargo de 1º Reitor da UFMT.
Wladimir Dias Pino fez a arte gráfica do folhetim, que passo a transcrever.
‘Há menos de um mês, quando informei ao MEC, minha decisão de deixar, por vontade absolutamente livre e espontânea, a reitoria da UFMT, alguém sugeriu que, nesta ocasião, eu fizesse o que chamou de um discurso histórico.
Mas como fazer tal coisa, se em mais de uma década tive oportunidade de dizer à universidade milhares de palavras, todas referentes a diversos momentos de sua história?
Como revelar mais alguma coisa importante, depois de termos comemorado em 1981 dez anos de criação da universidade, com tantas referências ao histórico do seu desenvolvimento?
Prefiro, neste momento, a humildade relativa de um discurso pessoal.
Tive a sorte de, sob minha gestão como Secretário de Educação de Mato Grosso, ter participado da criação de duas universidades, uma no Norte e outra no Sul do Estado.
Meu papel no caso, foi livrar-nos de um atestado de loucura.
Criar duas universidades num Estado com meio habitante por quilômetro quadrado, distantes milhares de quilômetros da faixa costeira onde se instalou e prospera, há quase cinco séculos, o desenvolvimento nacional, parecia um gesto louco.
Mas eu já havia tido contato diário com a loucura num período imediatamente precedente, quando dirigi o Hospital Adauto Botelho, hoje uma instituição de vanguarda na Psiquiatria brasileira.
Observei, muitas vezes, que a loucura está para a sensatez, como a casca está para a polpa do abacaxi.
A verdadeira profissão de uma pessoa é viver junto com as outras, e nela se aperfeiçoar mesmo praticando vários e diferentes ofícios ao longo de uma vida de trabalho.
Descubro, neste momento, que como médico, Secretário de Educação e Reitor sempre pratiquei, nesta terra, o duro ofício de descascador de abacaxis sociais, ofertando fatias de desenvolvimento à uma sociedade em mudança contínua e acelerada depois de dois séculos e meio de isolamento e estagnação.
Pretendo prosseguir no ofício desta vocação tão curiosa, quanto útil a Mato Grosso.
O recurso mais raro e precioso encontrável neste Estado é gente, seja de nível superior ou ainda analfabetos, muito poucos diante da extensão da nossa terra.
Tudo que puder aqui ser feito para proteger e melhorar a vida dos mato-grossenses, tradicionais ou recém-chegados, deve no mínimo ser tentado.
O que parece, à primeira vista pura loucura, pode revelar-se nova ciência.
Penso, entre outras, na loucura que foi uma universidadezinha ainda no berçário do MEC, isolada no Brasil Central e no sul da Amazônia, conceber e construir o núcleo pioneiro de uma cidade-laboratório na floresta amazônica para apartar a briga milenar entre o ser humano e o meio-ambiente tropical.
Agora vai-se evidenciando, através da fantástica destilaria da História, que em Aripuanã, nasceu a filosofia da ciência que vai marcar o século XXI.
A cidade-laboratório de Humboldt foi criada com a louca sensatez que impulsiona o surgimento de toda e qualquer cidade pioneira em Mato Grosso.
Nosso santo padroeiro é o futuro.
A ele ofertamos todo dia o nosso trabalho e nossa fé em Deus.
Nossas plantações de arroz são, para quem sabe ver e amar o próximo, semeadas com esperança humana.
Não vejo, qualquer sentido de despedida nesta minha fala final como Reitor da UFMT.
A luta não terminou. Estamos todos juntos nela.
O que está acontecendo aqui e agora pode ser simbolizado dinamicamente pelo que ocorre na arte do futebol brasileiro.
Os jogadores trocam de posição quando o time vai ao ataque ou se fecha na defesa.
Durante todo esse tempo, armei nossas jogadas no meio do campo, tirei bolas de dentro do gol e fiz lançamentos precisos.
Agora o time precisa de gols e lá vou eu para a frente.
Vamos à luta então’.
Gabriel Novis Neves
12-02-1982
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