segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

PENSANDO EM CUIABÁ


Depois do almoço familiar pré-natalino, com a ausência zero de seus integrantes, fui à soneca.


Despertei disposto. Não tendo o que fazer, pus-me a pensar na Cuiabá antiga.


Minha cidade possuía diversos jornais impressos. Lembro dos anos 60 e 70, indo até o início de 80. Havia um que trazia este nome: ‘Correio da Imprensa’.


Seu proprietário era um cearense arretado, que parou por aqui como representante comercial.


Jovem, solteiro e elegante, logo se meteu com a elite da boemia cuiabana.


Vestia-se sempre de branco, com tecido que vinha de sua cidade natal.


Perfumado, barba feita. Tinha como companhia o inseparável cigarro.


Frequentava bares da moda e ‘boates’ da ocasião. Certo dia, ‘montou’ um jornal de ‘oposição’, forte a tudo que fosse governo.


Seus amigos escritores pertenciam à esquerda. O bastante para que nosso ‘jornalista’ os contratasse.


Arregimentou os melhores jornalistas da cidade. Ainda hoje, quantos são lembrados com saudades. Jorrou-lhes uma mina de dinheiro.


Sim, alcançou o sucesso. O ‘Correio da Imprensa’ se fez conhecido como o ‘jornal do Maia ou do Jota Maia’.


Pessoas, estabelecimentos comerciais, ruas e praças — na Cuiabá de meus avós — eram conhecidos por apelidos. Os dez filhos do meu avô, cada um ostentava o seu.


Retornei à minha cidade natal no final de 64 e, de um nada, conheci o ‘temido jornalista’ Maia.


O governador, na época, era um jovem engenheiro. Veio de Miranda: Pedro Pedrossian. Ao conhecer a fama do Maia, dele se tornou logo amigo.


Quando o Pedro precisava divulgar matéria do interesse de seu governo, convocava o Maia ao gabinete, no Palácio.


Fui apresentado a ele. Uma amizade que só findou com sua morte! Todos os anos, sem faltar a nenhum, Maia me telefonava na noite de 24 e 31 de dezembro.


Já cansado da boemia, resolveu se casar. Pedro e eu — secretário de educação — fomos-lhe os padrinhos. 


Uma vez houve em que ele me perguntou se Regina e eu já tínhamos saboreado uma legítima ‘buchada’.


A sua irmã, que veio lá do Ceará, foi a encarregada de preparar o quitute.


Com um calor aprazível — só 40 graus! —, não resisti à tentação e me empanturrei. Até hoje, a buchada não me sai da cabeça… Regina, bem esperta, nem se atreveu a prová-la.


Não me perguntem, em nome da amizade, as vezes em que jornal do Maia foi empastelado. E ele preso! 


É Natal!


Gabriel Novis Neves

26-2-2024















N.E. O jornal ‘Correio da Imprensa’, de José Maia de Andrade (Jota Maia, FORRÓ na intimidade dos amigos), considerado combativo veículo de comunicação da Amazônia Legal contra o regime militar, tendo recebido prêmios de vários organismos nacionais e internacionais.  No início da década de 80, o jornal sucumbiu, sob a ameaça de ser transformado em cinzas. Sua redação teve Arnaldo Camarão, Alves de Holanda, Antero Paes de Barros, Adeildo Lucena, Jê Fernandes, Afrânio Borba, Rubens de Mendonça, Silva Freire, Gilson de Barros, Ronaldo de Arruda Castro, José Eduardo do Espirito Santo, Sílvio Gutierres, João Vieira, Montezuma Cruz, dentre outros.


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