terça-feira, 29 de novembro de 2022

QUANDO O CARTEIRO CHEGOU


Durante o tempo que estudei no Rio de Janeiro, todas as quartas-feiras recebia carta da minha mãe.


Sábados à tarde, depois das aulas na faculdade, respondia e colocava nos Correios e Telégrafos do Largo do Machado.


Depois, pegava o bonde 4 da Praia Vermelha para o jantar no restaurante universitário.


O preço do bonde era de cinquenta centavos. O restaurante gratuito.


Às vezes permanecia no centro acadêmico da medicina para as “brincadeiras dançantes”.


Geralmente as moças vinham do subúrbio com as suas mães.


Outras vezes, eu voltava para assistir filmes no Cine São Luís ou Asteca.


Politheama, também na praça do Largo do Machado, chamado de “polipulga”, só quando estava “mal-intencionado”.


Sempre gostava de receber cartas que eram só da minha mãe.


Como estudante nunca tive namorada em Cuiabá, para não me comprometer precocemente, pois o curso de medicina era longo e precisava não perder o foco que o amor juvenil produz.


As cartas da minha mãe eram repletas de amor de uma mãe distante, rezando pelo sucesso do seu filho na cidade grande.


Quantas notícias alegres recebi.


Lembro-me de uma carta que recebi da minha mãe em 1954, comunicando que em breve teria mais uma irmãzinha, a nona dos nove filhos que ela foi mãe.


Quando a caçulinha nasceu eu já era estudante de medicina.


Nunca temi receber cartas.


Já o telegrama, que era como se fosse uma notícia urgente, eu tinha minhas preocupações.


Felizmente passei incólume pelas notícias dos telegramas que recebi de Cuiabá.


Nessa época a cantora paulista Isaurinha Garcia havia gravado um grande sucesso musical- “Quando o carteiro chegou”.


Falava da sua angustia quando ouvia o carteiro gritar do seu portão que lhe trazia uma carta.


Eu já gostava quando a dona da pensão onde morava dizia que tinha uma carta para mim.


Logo abria o envelope cheio de boas notícias.


Isaurinha temia abrir a carta, cujo nome identificou ao ler no envelope como sendo de um ex-namorado que a tinha deixado, dizendo estar farta dela, e não abriu a carta que não sabia ser de alegria ou de tristeza e, a queimou!


Como morava com outros colegas, notava o nervosismo deles ao abrirem uma carta, que poderia conter boas ou más notícias.


Esses envelopes a eles enviados eram cartas de amor.


Às vezes traziam lembranças que só uma jovem apaixonada seria capaz de fazer, como a de enviar um fio de cabelo para seu amado.


Quem nunca escreveu bobagens ridículas amorosas quando jovens?


A Isaurinha Garcia, que imortalizou e valorizou o trabalho dos carteiros com a canção do carteiro, foi uma sofredora de amor.


Conheci a Isaurinha em um show no Sayonara.


Depois que ela morreu, assisti com a minha mulher num teatro de Copacabana, um musical em sua homenagem, onde ouvi mais uma vez a história do carteiro e das cartas.


As cartas inúmeras que recebi da minha mãe, não tive como guardá-las durante as minhas mudanças pelas pensões do Rio de Janeiro.


As que escrevi para ela, não sei onde colocaram em casa de muitas crianças.


Daria tudo neste mundo se pudesse ler as cartas que os carteiros me entregaram da minha mãe.


Gabriel Novis Neves

02-02-2022





VÍDEO - MENSAGEM 

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