terça-feira, 8 de novembro de 2022

MANHÃ COMUM


Era uma manhã comum.


Após mais de cinquenta anos me recordo de um fato, e não do dia da semana ou mês.


Fazia o de sempre naquele tempo.


Acordava e passava pelo antigo Hospital Geral e Maternidade de Cuiabá, hoje Hospital Geral Universitário da UNIC.


Subia pela espaçosa rampa até atingir o seu primeiro andar, onde no final do corredor estava a Sala de Partos.


Assim que despontei um marido preocupado, veio ao meu encontro pedindo que fosse com urgência à Sala de Partos para ajudar um colega famoso.


Antes, uma veterana auxiliar de enfermagem e parteira de mão cheia, havia me dito que o indicado seria passar um fórceps de alívio, em uma parturiente de primeiro parto.


O neném estava passando da hora de nascer, a parturiente cansada e a cabeça do neném aflorando na vulva.


Me vesti, pedi licença ao médico bem mais velho que eu, quase aposentando, e perguntei com muita habilidade, se poderia ajudá-lo.


Ele me ordenou para calçar as luvas, me fez um breve relato sobre a evolução do trabalho de parto e que eu fizesse um toque vaginal na sua cliente.


Disse ao colega veterano que as colheres do fórceps de Simpson resolveriam o caso, e a cabeça que víamos era uma enorme bossa serosanguinolenta.


Ele falou que já havia tentado esse procedimento, sem resultado.


Passei com facilidade as colheres que se encaixaram muito bem nos parietais da cabeça do neném e foi feito o procedimento de alívio.


A criança nasceu chorando, é meu parente e dono de uma das grandes bancas de advocacia da cidade.


Seu filho também é advogado, trabalha com o pai, é professor universitário e conferencista, nasceu comigo na Cínica Femina.


O longevo tem que saber a hora de parar de trabalhar.


É um processo doloroso para quem passou toda sua vida profissional, aparando crianças - o momento mais lindo da carreira de um obstetra.


Tomei a decisão de parar de fazer partos, há seis anos aos 81 anos de idade por problemas de locomoção, e sei, na prática o quanto foi difícil.


Passei um tempo sem saber o que fazer com os longos dias, até me dedicar integralmente a escrever diariamente.


Descobri após a minha aposentadoria que tenho muita coisa em minha cabeça, precisando esvaziá-la diariamente, escrevendo minhas memórias.


Gabriel Novis Neves

31-10-2022





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