quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

UM BAR CHAMADO BUGRE


O Bar do Bugre era mais que um bar.

 

Era um pedaço da velha Cuiabá que parecia resistir ao tempo.

 

No centro da cidade, ele abria as portas todos os dias, convidando gente de todo canto a entrar.

 

Tinha duas frentes: uma para a Praça Alencastro, com suas seis portas sempre movimentadas, e outra para a Praça da República, com três portas e duas janelas que davam para o depósito.

 

Entre as paredes, histórias que só o tempo e as pessoas poderiam contar.

 

Meu pai, o Bugre, era quem comandava aquele ponto de encontro.

 

Casou-se aos 40 anos com minha mãe, vinte anos mais jovem, que trazia o talento nos salgadinhos feitos em casa.

 

Nada de café.

 

No Bar do Bugre, o cardápio era de bebidas, refrigerantes, cigarros e os salgados da minha mãe, que sempre tinham o gosto de acolhimento.

 

Ao lado, o salão da sorveteria era uma festa à parte.

 

Duas janelas e três portas que mostravam um mundo de sabores: picolés, sorvetes e sugestões que encantavam as crianças e refrescavam o calor cuiabano.

 

Naquele espaço a alegria era simples e gelada, como só um sorvete pode ser.

 

Quando criança, eu era garçom do bar.

 

Crescer ali foi como ter um palco para observar o cotidiano da cidade.

 

O movimento nunca parava.

 

Homens de chapéu, mulheres de vestidos estampados, risadas, conversas e até os silêncios tinham seu lugar.

 

O Bar do Bugre não era só um ponto de encontro; era um personagem da vida cuiabana, com sua própria alma.

 

As portas se abriram pela primeira vez em 1920.

 

Foi ali que muitas amizades começaram, amores se desenharam e negócios foram fechados.

 

Mas, como tudo na vida, o bar também teve seu fim, em 1970.

 

Fechou as portas, mas não a memória.

 

Para quem viveu aquele tempo, o Bar do Bugre ainda existe intacto na lembrança.

 

Hoje, quando penso naquele espaço, vejo mais do que um lugar.

 

Vejo um pedaço de mim, da minha história e da cidade que fui aprendendo a amar.

 

Às vezes, ainda consigo ouvir o som das portas se abrindo, o riso das pessoas e o tilintar dos copos.

 

O Bar do Bugre pode ter partido, mas nunca deixou de ser um lar.

 

Gabriel Novis Neves

09-01-2025




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