A casa da rua do Campo tinha portas que rangiam, sempre a denunciar entradas e saídas de pessoas.
O seu som fazia parte inseparável do lar.
Minha mãe se incomodava com o ranger e recorria ao óleo Singer para silenciar as dobradiças.
Mas o calor de Cuiabá logo secava o óleo, e o som denunciador voltava a ecoar pela casa.
Não era só a porta que rangia ao abrir-se, mas também os armadores das redes de descanso.
Alguns até gostavam desse barulho que embalava o sono.
Para outros, porém, era um tormento: acordava quem dormia e atrapalhava quem tentava adormecer.
Esse som, denunciando chegadas e partidas, acabou tornando-se parte inseparável da casa.
Hoje no meu apartamento as portas também rangem.
A funcionária logo aplica o óleo corretivo nas dobradiças.
Agora as portas já são presas à parede, bem na base, para não baterem quando o vento as fechas.
Mas confesso: acho belo o ranger lento de uma porta ao abrir.
Ele me traz recordações da minha mãe, sempre aborrecida com esse descuido.
Tenho notado que, recentemente, quase tudo me leva de volta ao passado.
Dá-me a impressão de que a segunda fase da vida é mera repetição da primeira.
O difícil é saber em que momento chegamos à metade da existência.
Quer melhor poesia do que uma porta que range devagar anunciando a entrada ou saída de pessoas?
Esse barulho fazia parte das casas, humanizando-as.
Hoje, casas só se encontram nos modernos condomínios, distantes do centro da cidade.
Não sei se lá as portas rangem, denunciando a presença de quem chega ou parte.
Aqui, no centro, vivemos em apartamentos.
E eu não esqueci o ranger suave das portas, que ainda me acompanha.
Puro saudosismo esta crônica — como tantas que escrevi na segunda parte da vida, com certeza.
Gabriel Novis Neves
03-09-2025
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