sábado, 6 de setembro de 2025

A LÂMPADA QUE NUNCA APAGAVA


Morei durante alguns anos na rua Major Gama, no Porto, bem na entrada do morro do Tambor.

 

Era uma rua residencial, afastada do centro da Cuiabá.

 

Fui morar ali porque comprei um casarão inacabado, por preço bem acessível ao meu bolso.

 

Levei anos para a concluir a obra e me mudar.

 

O fundo da casa dava para a rua Regis Bitencourt, que então era ponto de trabalho dos travestis.

 

Quando a polícia fazia batidas na região, eles se escondiam nos quintais ou pulavam os muros, alguns conseguiam entrar dentro de meu terreno.

 

Restava a mim abrir o portão da frente, na Major Gama, para que pudessem escapar rumo ao Morro do Tambor.

 

Naquele tempo já havia mercado para a venda do corpo em Cuiabá — um comércio tão antigo quanto a própria humanidade.                                

 

Os imóveis da região eram desvalorizados, ocupados por gente humilde e trabalhadora.

 

Também viviam ali aqueles de renda baixa: professores universitários, funcionários públicos não comissionados, e até repúblicas que abrigavam deputados estaduais vindos do sul do Estado.

 

O modesto conjunto habitacional de apartamento de noventa metros quadrados, com três andares sem elevador, foi lar de Dunga Rodrigues —referência musical em nosso Estado —, e de uma professora pesquisadora portuguesa.

 

A rua era mal iluminada, mas havia uma lâmpada que nunca apagava.

 

Estava sempre acesa, iluminando não apenas a calçada, mas também memórias, e despertando em mim reflexões sobre o tempo.

 

Quantas manhãs passei sentado no degrau em frente de casa, pensando naquela lâmpada que, desobedecia às ordens da companhia de energia elétrica.

 

Com minha neta no colo eu a imaginava moça, formada na Universidade Federal de Mato Grosso, casada, com filhos — e eu, bisavô.

 

Tudo aconteceu como num filme, talvez graças àquela lâmpada sempre acessa.

 

Hoje a casa já não me pertence.

 

A rua tornou-se comercial, passo raramente por lá, e não tenho notícias daquela lâmpada que ainda habita minha memória e continua a despertar reflexões sobre o tempo vivido — um tempo rico em histórias.

 

Gabriel Novis Neves

29-08-2025




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