quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

CARTA DE ANO NOVO

Como desejar-lhe um Feliz Ano Novo?

Escolhi uma carta do meu irmão Pedro, que há um ano mora comigo, para esta missão. Somos dois solteirões cujas idades chegam há um século e meio. Estamos neste estado civil por decisão divina e judicial.

Damo-nos muito bem. O Pedro fica o dia todo assistindo programa de esportes e noticiários pela televisão. Eu engano que trabalho - não tenho tempo para nada, e, quando em casa, passeio pela internet. Encontramos-nos sempre na hora das refeições, quando a distribuição de medicamentos é farta. O Pedro engole em média vinte e oito comprimidos ao dia e eu quinze. Não contando a medicação emergencial, às vezes, utilizada... Nesses instantes trocamos idéias.

O Pedro é um exemplo de superação. A sua vida é um compêndio de medicina. Diabético, hipertenso, avecista, ex-cadeirante, ex-caquético, ex-espírita, ex-escritor, e agora bengaleiro. Eu sou hipertenso moderado, varicoso, portador de duas hérnias de disco, com uma circunferência abdominal para risco cardíaco, ex-catarante, ex-coroinha e digitador de um dedo só.

Combinamos, para não ficar pesado para ninguém, que eu escreveria uma carta sobre o Natal e ele sobre Ano Novo. Assim trocaríamos também correspondências obrigatórias nas festas de fim de ano.

A poesia do Pedro, a sua sensibilidade e o modo carinhoso onde ele descreve como fomos educados, fez com que eu escolhesse o seu texto para desejar a você um Feliz Ano Novo.

Gabriel Novis Neves
Dez/2009


Feliz Ano Novo.

Você conseguiu acertar em cheio na essência cristã do espírito natalino. Mas, pela minha visão da infância, lamentavelmente o Natal que tínhamos era diferente. Esse espírito natalino era pouco mencionado e não fazíamos em casa a tradicional Ceia de Natal, ocasião em que o papai estava sempre de plantão no bar. Dormíamos cedo e à meia noite em ponto, implacavelmente, o telefone tocava. Sonolenta a mamãe levantava para atender. Do outro lado da linha era o papai desejando Feliz Natal! Hoje, fico imaginando como ela deveria sentir-se “feliz”... (“Ótimo de Georgeta”).

O Réveillon não era muito diferente. O mesmo telefonema para cumprimentá-la pela entrada do Ano Novo e estava cumprida a sua missão de pai e marido sempre presente. A criançada desconfiava que já deveria ser meia noite pelo toque do Hino Nacional executado no Clube Feminino e pelo espocar dos fogos que se ouvia ao longe. Essas são as recordações que trago dessas datas na minha infância. Lembro-me da mamãe inconformada a lamentar: “O Ano Novo esta chegando cheio de esperança. Lá se vai um Ano Velho que não deixou saudades”. Talvez seja por tudo isso que considero o Natal uma data muito triste, mas também cheia de saudades.

Até o papai Noel me “sacaneava”. Houve um ano em que escrevi uma cartinha pedindo-lhe uma bicicleta e uma gaita. Obedeci a todos os rituais, coloquei o meu chinelo embaixo da cama e de hora em hora passava as mãos para ver se o velhinho já havia colocado lá os meus presentes. Cedo tive a minha primeira decepção. Papai Noel havia se esquecido da minha bicicleta e só trouxe a gaita. Reclamei com a mamãe e ela tentou encobrir tudo, dizendo-me que o Papai Noel já estava muito velinho e não tinha forças para carregar a bicicleta dentro do saco. Contentei-me com aquela sua explicação e saí cedo para acompanhar meu pai ao açougue do “Baixote”. Caminhava feliz, soprando a minha gaita... Quando passava embaixo da janela do “seu” Estevam de Mendonça a gaita escapuliu das minhas mãos e caiu em cima dos escarros do velho, que costumava mascar fumo e cuspir aquela enorme poça na calçada. Não tive coragem de tocá-la e lá se foi o meu único presente. Fiquei sem a minha bicicleta e sem a gaita. Passei a infância a odiar o “seu” Estevam de Mendonça.


Natal era também a época de pitombas. Como eu sentia prazer em roubá-las do presépio da dona Balbina correndo com o bolso cheio e ia me esconder em casa do vovô Alberto Novis que morava em frente! Lembro-me do presépio móvel do “seu Freitas”, com aquelas figuras deformadas e horrorosas, mas que consigo desenterrar com saudades do meu túmulo de lembranças. Faço votos que você continue relembrando o espírito natalino que você tão bem soube expressar na sua crônica. Só comecei a apreciar o Natal quando me casei.


Pedro Novis Neves
Professor-fundador da UFMT
Rio - 25/12/2009

Um comentário:

  1. É maravilhoso poder ler estas histórias de Cuiabá que, ainda ontem, era assim...Leva-nos de modo divertido para outra dimensão, o tempo....

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