domingo, 6 de agosto de 2023

OS TRÊS GARÇONS


Durante cinquenta anos de bar, meu pai teve o auxílio dos seus irmãos Tinô, Yôyô, Joãozinho.


Os dois últimos citados morreram durante o seu exercício profissional.


Joãozinho sempre trabalhou na sortida sorveteria, anexa ao amplo salão do bar, com duas janelas para a Praça Alencastro e duas portas para a Praça da República, ao lado da engraxataria.


Com a sua morte assumiu essas funções o Yôyô até o seu falecimento.


Tinô era o substituto do meu pai e foi o último a falecer com quase cem anos.


Conheci os garçons que permaneceram maior tempo com o meu pai, até ele fechar o bar em 1970.


Foram o Paulo, um menino que meu pai criou como filho, Quindú e o mais novo, Domingos.


O bar durante a sua existência teve inúmeros garçons.


Quando eu nasci o bar tinha quinze anos e aos dezessete anos fui estudar.


Permaneci doze anos fora, e quando retornei casado com mulher e filha para nascer, pouco fui ao bar e minhas visitas eram rápidas.


Seis anos depois meu pai fechou definitivamente o bar e seus garçons eram o Paulo, Quindú e Domingos, além do meu tio Tinô.


Todos foram indenizados cujos valores foram aprovados pela Delegacia Regional do Trabalho.


Ficamos amigos, e cada garçom procurou o seu caminho.


O Domingos foi trabalhar como garçom na Casa Civil do Governo do Estado e nas horas vagas atendia banquetes, grandes recepções e ao Clube Esportivo Dom Bosco.


O Quindú montou um bar muito bem frequentado no Coxipó da Ponte.


Herdou parte da clientela do bar do Bugre.


O Paulo, considerado meu irmão de criação, foi contratado para atender Serviços Gerais na UFMT.


Revelou-se um líder, tendo fundado com o apoio da reitoria, o bairro Jardim Universitário, próximo à sede do Campus.


Muitos dos seus moradores eram servidores ou professores da nossa universitária.


Os três estiveram presentes na festa dos oitenta anos do meu pai.


Assim eram os garçons de Cuiabá de bem antigamente.


Gabriel Novis Neves

11-07-2023


Paulo, Quindú e Domingos com o Bugre


O BOLICHO


Já estou acostumado a publicar os contos da Sueli Rondon aos domingos no meu blog.


É uma escritora cuiabana que relata fatos reais, como contos e histórias, ocorridos não faz muito tempo.


É um trabalho interessante para a nossa memória.


Ninguém de fora irá escrever sobre a nossa cidade perdendo Cuiabá com o passar dos anos seu lindo e romântico passado.


"Seo Janjão possuía um bolicho/venda em uma esquina da Rua Antônio Maria.


Usava uma calça de sarja frouxa, amarrada por um cinto surrado, que evidenciava sua magreza pelas pregas na cintura.


A camisa de algodão puído fazia parte do vestiário, pois sovina como era, dizia que não gastava dinheiro com futilidades.


Ficava à porta do estabelecimento encostado no portal, perscrutando o movimento do vai e vem dos passantes a caminho do trabalho.


De vez em quando conversava com dois dedos de prosa para assuntar as novidades do dia.


"Seo" Janjão tinha uma predileção.


Todas as manhãs, uma morena bonita de cintura fina e perna grossa, passava em frente ao estabelecimento para ir aos Correios, onde era empregada efetivada.


O Sr. Janjão até suspirava quando ela apontava na esquina, para atravessar a rua passando em em frente ao seu bolicho.


Junto ao portal, três sacos de linho grosseiro, abarrotados de milho, feijão e farinha de mandioca.


O feijão vinha tão sujo que dava trabalho à cozinheira na tarefa árdua de catar o feijão antes do cozimento.


Era preciso separar os gravetos, pedrinhas de terra e exigia trabalho e paciência.


Daí surgiu o termo de quando alguém estava muito à toa pela casa e para irritá-la dizia-se:

 " Vá catar feijão “!


Mas como ia dizendo, o bolicho de Janjão era bem guarnecido.


As prateleiras nas paredes tinham produtos variados: rapadura, vela, querosene, açúcar, café e mais um pouco de tudo que era de primeira necessidade.


No balcão encerado e encardido um grande pote de vidro dividido em cúpulas com docinhos variados almejados pela criançada.


Ao fundo da venda ficava os cachos de banana verde, que Garrote apelido do ajudante do patrão, com um facão, tirava as pencas e as empilhava, assim como a raiz de mandioca, e as abóboras tudo bem separado e de chão varrido.


Garrote tinha esse apelido porque era um rapazote forte de braços roliços e fortes, acostumado a carregar um saco de farinha nas costas.


Forte e trabalhador porque o patrão gostava mesmo é de ficar à porta sondando os transeuntes, trocando conversa pegando dinheiro e passando o troco e na falta de moedas empurrava uma caixinha de fósforos.


Certo dia, quando a tal funcionária dos Correios, apontou na esquina apareceu no mesmo instante no bolicho, um freguês de cara nada amigável, alto e forte como um touro, exigindo comprar a metade de uma melancia.


Já avisamos que não vendemos metade, mas o homem insistiu.


Janjão contrariado dirigiu-se aos fundos da venda e falou pro ajudante:


- Corta a metade de uma melancia porque tem um sujeito chato pra caramba exigindo o corte.


Quando olhou para trás o dito senhor estava colado às costas dele.


Havia o acompanhado até os fundos da loja.


Janjão não se apertou:


- E para este nobre cavalheiro aqui, você entrega a outra metade!


 Gabriel Novis Neves

20-07-2023






sexta-feira, 4 de agosto de 2023

EXCESSO DE NOTÍCIAS


Quando tenho excesso de notícias, sinto dificuldades de escrever.


Ontem à noite, pouco antes de dormir, recebi uma mensagem sobre uma crônica que publiquei em meu blog no dia 14-02-2022.


Era sobre “O Índio Branco que vivia em Cuiabá”.


A moça interessada pelo assunto, assim se identificou:


“Meu nome é Ysani, sou indígena do povo Kalapalo. Queria muito conversar com o senhor sobre essa matéria e anexou a página do blog do bar-do-bugre.blogspot.com.br”.


Eu respondi dizendo que era criança e me lembrava de um “índio branco” que vivia em Cuiabá.


A sede do antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), ficava na rua de Cima e os fundos com amplos portões de ferro, para a rua do Campo, onde eu morava.


Via diariamente o índio que nasceu com uma doença genética chamada de albinismo, caracterizada pela ausência total ou parcial da melanina (pigmento responsável pela coloração da pele, dos pelos e dos olhos).


Ainda não se conhece a cura do albinismo.


Devido a sua doença, não caçava, pescava, nadava, pois não podia ficar exposto ao sol.


Ysani me interrompe:


“Caramba! Eu conheço a história dele. Até hoje a família dele procura por ele, sabe. Ele nasceu com albinismo e inventaram a história que ele era filho do neto do coronel Facewt.


O nome dele era Taniper (é assim que se pronuncia).


Ele foi arrancado literalmente do braço da família.


Eu quero muito conversar contigo”.


Disse que aqui ele era chamado por Ydulipe.


O Marechal Rondon só o chamava de “tripé”.


Bebia muito, era mulherengo, morou na casa do Dr. Benjamim Monteiro Duarte, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, pai do Desembargador Leônidas Duarte Monteiro, irmão de Álvaro Duarte, Presidente do SPI de MT.


Morreu assassinado no bordel do beco Quente, no Porto.


Seu corpo foi encontrado pela polícia, dias após atrás da Casa Orlando, na cidade.


“É muito triste saber que ele morreu dessa maneira.


Até hoje a sua família não sabe se ele morreu.


Por acaso ele se chegou a casar, formou uma família? ”


Respondo: nunca ouvi falar.


“Onde o senhor mora exatamente hoje? Dependendo do lugar eu posso tá indo até o senhor para te entrevistar, para você me contar todas essas coisas. Acho que seria melhor.


Adorei teu blog. Muito legal.


Muito obrigada por me passar essas informações. Vou tá repassando para a família dele. Muito obrigada mesmo.


Que idade o senhor tem hoje?


Vou acompanhar o seu blog.


Tugipé assim que escreve o nome dele.


Vamos gravar pelo Zoom”.


A Ysani é uma índia famosa, que deseja fazer um filme sobre o Tugipé.


No Youtube ela tem mais de 750 mil seguidores, é uma formadora de opinião e fala coisas que o branco não diz.


Para não ser repetitivo, procurem mais detalhes sobre “O Índio Branco que vivia em Cuiabá”, no meu blog.


O assunto foi o encontro jamais programado com a extraordinária Ysani Kalapalo.


Gabriel Novis Neves

02-08-2023


Vídeo de YSANI KALAPALO






GUARANÁ RALADO


Uma das minhas irmãs esteve em minha casa com muita pressa, pois teria que ir ao final da avenida 15 de novembro, no bairro do Porto, para comprar uns vidros de 300 ml de pó de guaraná ralado.


Sua única filha casada, há anos mora em Rio Branco, no Acre, e lá não tem o guaraná.


Ela me disse que sua filha e marido erraram o planejamento na última compra que fizeram aqui, e ficaram sem o pozinho que vicia.


Quando ela e o marido não tomam o copinho do guaraná ralado, o dia fica perdido.


Os cuiabanos antigos usavam o guaraná, que era ralado em casa dando um sabor muito mais gostoso que o industrializado.


Alguns preferem o guaraná ralado que vem de Poconé.


Na minha casa fomos educados tomando o cafezinho e depois de casado minha mulher só bebia o café.


Teve uma época da minha vida, nem me lembro quando, que usei o guaraná em pó, que comprava ralado.


Sem motivos parei de usá-lo e a xícara com café só bebo após aos almoços da família nos sábados, ou por ocasião de receber alguma visita.


O pó do guaraná é patrimônio cultural de Cuiabá, como o peixe frito e a Maria Izabel.


O guaraná foi descoberto em 1821 por Humboldt em contato com tribos indígenas que viviam na Amazônia, município hoje chamado de Maués.


Os índios consideravam o guaraná sagrado e utilizavam a pasta como remédio.


O guaraná é uma fruta nativa da Amazônia e pode ser tomado em pó com açúcar e água em um pequeno copinho logo ao acordar para dar energias.


Alguns repetem a dose após a sesta após o almoço.


Não se deve tomar à noite, pois retira o sono.


Era muito usado pelos estudantes por ocasião dos exames, especialmente o vestibular.


Governadores costumam oferecer aos visitantes ilustres, em seu gabinete, o guaraná em pó.


Quando recebi o acreano Adib Jatene, acreano, ofereci-lhe guaraná, assim como para o arquiteto Sérgio Bernardes.


Segundo a lenda folclórica da Amazônia, seu uso terapêutico iniciou a ser utilizado, quando um indiozinho foi picado por uma serpente venenosa e ia morrer.


Os mais velhos prepararam uma pasta de guaraná e passaram no lugar da picada da serpente, curando o indiozinho.


Desde então passou a seu utilizado para a cura de uma série de doenças.


Entre nós é mais utilizado para estimular o nosso Sistema Nervoso Central, causando a dependência química na maioria dos seus usuários.


O fruto do guaraná possui três xantinas: a cafeína, a teobromina e a teofilina, substâncias estimuladoras do Sistema Nervoso Central, daí o seu uso em todo nosso território, especialmente nas áreas rurais.


Na década dos anos setenta, Ariosto da Riva, fundador de Alta Floresta, cidade ao norte do Estado, me levou para conhecer uma grande plantação de guaraná.


Até hoje tenho na memória a beleza dos frutos vermelhos das árvores de guaraná da Amazônia!


Gabriel Novis Neves

22-07-2023









quinta-feira, 3 de agosto de 2023

FOTOS DAS ILUSTRAÇÕES DOS TEXTOS


Não é a primeira vez que escrevo sobre as ilustrações dos meus textos, mas o que é bonito tem que ser repetido.


As crônicas que publico em meu blog vêm sempre acompanhadas de artes gráficas relacionadas ao texto.


São tão criativas que muitas vezes demonstram mais interesses dos leitores do que a própria crônica!


Quando o editor responsável pelas artes gráficas recebe um texto que fala do meio ambiente, ele sabe, e eu também, que após a sua publicação os comentários, na sua maioria, serão sobre a beleza da ilustração.


A própria autora do belo conto da água no leite comentou que a foto do rio Coxipó ficou ótima!


Queria saber como consigo essas fotos, que é um mistério para ela!


Respondi que essa beleza que agrada a todos, era fruto do sofisticado trabalho de arte do editor do blog, que só fico sabendo quando ele me retorna a cônica para divulgação para os meus quase quinhentos amigos.


O editor-fundador do blog tem um acervo fotográfico dos mais ricos e uma sensibilidade à flor da pele para escolher a melhor foto para ilustrar o texto recebido.


Ele tem uma excelente formação cultural que aprendeu em casa e desenvolveu com estudos no decorrer da sua vida.


Aprecia literatura, pintura, música, história e domina com facilidade as modernas tecnologias.


Gosta como ninguém das histórias da Cuiabá de antigamente, e ainda tem tempo de atender um dos maiores escritórios de advocacia de Mato Grosso.


Nunca precisou no exercício profissional, de apoio de grandes escritórios, por exemplo, de São Paulo ou Brasília.


Está fora da curva de nós pobres mortais.


Diariamente lhe envio uma crônica e fico ansioso como ela voltará ilustrada para compartilhar com meus amigos via Listas de transmissão.


Quando lhe enviar esta crônica, não tenho a mínima ideia de como ele me devolverá.


Creio na sua criatividade, propositalmente provocada por mim.


Vamos aguardar.


Gabriel Novis Neves

16-07-2023































quarta-feira, 2 de agosto de 2023

GERAÇÕES


Até há pouco tempo o intervalo entre as gerações era de vinte e cinco anos.


Com o desenvolvimento das conquistas médicas, esse intervalo passou a ser de dez anos.


A geração dos velhos passou a ser após seus centenários.


Eu, com oitenta e oito anos completos, estou iniciando a minha fase de idoso.


Meu bisavô paterno faleceu velho com cinquenta e seis anos no posto de General do Exército.


Meu pai nasceu em 1894, casou-se com quarenta anos e era considerado velho, quando a expectativa de vida era de cinquenta e cinco anos.


Fui educado por um pai velho, e quando comecei a entender da vida, temia pela vida dele a cada vez que um vizinho da sua idade falecia. 


Minha avó materna deixou oito filhos órfãos, antes de completar trinta anos.


A avó paterna deixou quinze filhos sem completar sessenta anos.


As gerações eram definidas entre crianças, adultos e velhos.


Havia as exceções para confirmarem as regras.


Com a ciência esses espaços tiveram que ser diminuídas, e hoje é comum encontrar pessoas com mais de cem anos fazendo compras nos shoppings, quando não namorando.


Surgiram então os bebês, crianças dos berços, pré -infância, infância, pré-puberdade, puberdade, pré-adolescência, adolescência, pré-juventude, juventude.


Idade adulta, idade madura, pré-idoso, idoso e velho.


O espaço entre gerações encurtou, e muito, aceito atualmente como sendo de apenas dez anos.


Isto significa que as gerações velhas ficaram mais novas e as novas mais velhas.


As idosas e idosos cada dia casam mais e procuram como companheiros ou companheiras pessoas de outras gerações para baixo, como adolescentes ou jovens, graças à ciência.


A ciência em parte está suprindo a natureza, e isso tanto é verdade, que dia desses fui a um médico em São Paulo e levei em companhia minha filha.


Ao entrar no consultório com ela, ao fazer a anamnese, ele me perguntou há quantos anos eu era casado com ela, para desespero da minha filha, três gerações abaixo da minha.


Gabriel Novis Neves

26-07-2023




terça-feira, 1 de agosto de 2023

VISITAS SURPRESA DA MINHA TERCEIRA GERAÇÃO


Estava no meu escritório escrevendo algo enquanto esperava o meu fisioterapeuta para os exercícios de rotina.


A campainha do meu apartamento toca e era a visita da minha neta e seu filho, que vivem em Portugal e chegaram ontem à noitinha.


A atendente do apartamento os trouxeram para o meu escritório.


Meu bisneto Lourenço que em setembro completa cinco anos veio a me abraçar.


Eu o coloquei no colo e senti o quanto estava pesado.


Pousamos para fotos tiradas pela sua mãe Bruna, minha neta.


Logo pediu para descer do meu colo, pois queria brincar.


Fala quase tudo e eu não notei sotaque nas suas palavras.


Ele nasceu na cidade do Porto, filho de português e brasileira.


Estuda em escola portuguesa e está sendo alfabetizado em português de Portugal.


Em casa seus pais falam os dois portugueses.


Minha neta Bruna postou a foto do Lourenço comigo no grupo da família.


Suas primas e primo assim que souberam do seu paradeiro vieram para cá para brincar.


O físio chegou e eu convidei o Lourenço a ir ao meu dormitório, assistir aos exercícios.


Ele escolheu a cadeira de balanço para sentar-se e não gostou daquilo que assistia.


Para a sua sorte seus primos chegaram trazidos pelas suas tias.


Saiu em desabalada correria com os primos em direção da escada da sala, para matar saudades da casa do biso.


Na saída da minha casa minhas netas tiraram fotos do biso com os quatro bisnetos.


Tenho uma foto semelhante em que estou sentado na minha cama com minhas cinco netas e o único neto no colo.


Como ainda tenho três netos solteiros, e espero ganhar mais bisnetos das casadas, espero uma nova oportunidade de tirar a próxima foto na cama, com pelo menos oito bisnetos, se Deus permitir.


Essa minha terceira geração sempre lembrará das fotos na cama com o biso e as folias no jardim da cobertura da casa do biso.


Gabriel Novis Neves

27-07-2023