O trânsito — terror das cidades populosas — é uma ‘conquista’ recente da nossa Cuiabá.
Na minha adolescência, praticamente não existia trânsito aqui. Os distritos do Coxipó da Ponte e do Porto eram ligados por pequenos ônibus de capacidade limitada, com bancos de madeira e aberturas laterais.
O ponto de partida e de espera localizava-se ao lado da Matriz.
A população se locomovia a pé ou montada em animais — inclusive os médicos da época.
As casas antigas possuíam uma argola de ferro na porta, usada para amarrar o animal
Meu avô, Dr. Alberto Novis, o Dr. Athayde de Lima Bastos, Dr. Caio Correa, Dr. Sílvio Curvo — todos faziam suas visitas assim: montados, de terno e gravata.
Os animais eram criados nos quintais das residências e saiam pelo portão dos fundos.
Uma vez por semana, meu avô levava o cavalo para um banho completo no rio Cuiabá.
Lá vários meninos prestavam esse serviço.
Montado em seu cavalo ele passava pela rua de Baixo e me apanhava em casa, para o passeio até o Porto.
Surdo desde jovem, ele conduzia o trajeto me explicando com gestos e palavras quem morava em cada casa e o que faziam.
Eu ouvia em silêncio, atento a tudo.
Ele arreava o cavalo próximo ao rio e chamava um guri para o banho do animal.
Enquanto esperava, tomava café e proseava com algum cliente.
Com apenas seis anos tudo aquilo me encantava — e até hoje guardo na memória viva os ensinamentos daquele tempo.
Apesar da surdez precoce, em uma cidade com poucos médicos, meu avô exerceu com esmero e competência a função de médico generalista, antes de tornar-se o primeiro otorrinolaringologista de Cuiabá e Mato Grosso.
Eu ainda nem pensava em ser médico — e já aprendia muito com ele, no início da década de 1940.
Sem trânsito, a tradição e a ternura moldaram o meu caráter.
Gabriel Novis Neves
16-07-2025
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