segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

OS CORONÉIS

Certa ocasião eu perguntei a meu pai o motivo de Cuiabá possuir tantos coronéis sem cara de coronel. Geralmente eram senhores idosos, que nunca usaram farda ou tiveram vida militar. O velho Bugre me respondeu que quando alguém ficava rico, ou adquiria uma posição social e política de destaque, na falta de um título de nível superior, era então chamado de coronel.

Conheci muitas pessoas importantes que antes do seu nome próprio eram chamadas de coronel. Tive até um tio, rico fazendeiro, que era chamado de coronel. Até o cartão de visita que mandavam confeccionar vinham com o coronel antes do nome.

Na época do Império foram vendidos muitos títulos nobiliárquicos. Basta um passeio pelas ruas e avenidas de Cuiabá, e prestar atenção nas placas identificadoras desses logradouros que encontrarão - Comendador, Barão, Conde.

Quando estudante no Rio de Janeiro o meu pai visitou-me, em doze anos, incluindo formatura e casamento, três vezes. Chegava ao Aeroporto Santos Dummont de terno e gravata com um cigarrinho entre os dedos. Nessa ocasião já tinha abandonado o chapéu de viagens. Ao pegar o táxi, o motorista logo lhe perguntava: vamos para onde doutor? Depois meu pai comentava comigo: “- gosto muito de vir aqui, todo mundo me chama de doutor!”.

Os tempos agora são outros e o sinal de status é chamar quem é rico, ou nada faz na vida, de empresário. Como existem empresários nesta terra! A doceira virou empresária e agora é proprietária de Buffet. O pintor de quadro de paredes ou desenhista virou artista plástico, e tem um empresário para vender o seu quadro chamado marchand. O construtor de obras agora é empresário da construção civil. O agiota é dono de factoring. Qualquer desempregado ou falido com bom DNA é empresário. Temos empresários da noite que antigamente eram donos de cabaré. E o lobista, que é um empresário especial. Quando o sucesso é enorme, o termo empresário não fica bem, e inventaram o rei. Rei do Futebol, do Carnaval, do Gado, da Indústria, da Comunicação, do Milho, do Feijão, do Arroz, da Soja, do Algodão, da Esperteza, da Sonegação Fiscal, da Propina, da Impunidade, do Contrabando. Temos até um Rei Preso – o do Crime Organizado que é o único crime que, dizem as más línguas, compensa, pois é organizado.

Neste baú de recordações e divagações estou começando o ano - uma gostosa fantasia que criamos para evitar a monotonia da continuidade. Ano de expectativa, pois haverá substituição do Rei.

Não me esqueci das sinhazinhas, princesas, rainhas, e para ser moderno, modelos. Mas essa conversa das donzelas fica para depois.

E ainda dizem que na terra de cego quem tem um olho é Rei.

Gabriel Novis Neves
01/01/2010

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Tomar leite

Outro dia, ao sair com dois amigos para jantar, presenciei uma conversa entre eles prá lá de divertida. A minha amiga e um velho conhecido do século XXll (século vinte e dois), falavam sobre hábitos alimentares. Diante da indiferença do meu amigo com relação ao jantar, ela, que não o conhecia, perguntou-lhe se não comia. A resposta veio rápida: “quando estou com fome, sim.” E emendou: “o horário é muito variado e há certos dias que não sinto necessidade de me alimentar, mas eu como de quase tudo um pouco.” Perguntado se fazia algum tipo de dieta ou se possuía alguma restrição alimentar, ele esclareceu: “não faço dietas e a única restrição que faço é com relação ao leite.” E, enfaticamente completou: “e faço isso porque sou uma pessoa normal.”
Diante do inusitado da resposta minha amiga indagou: - “normal?” E logo pediu que lhe explicasse aquilo direito. “Veja os animais – filosofou meu amigo - o bezerro mama, mama e mama. Só se alimenta de leite. Após o desmame nunca mais toma leite. A sua alimentação agora é capim e ração. Então não tomo leite seguindo a lei da natureza, porque sou uma pessoa normal. Mamei na minha mãe até aos sete anos. Depois do desmame, nunca mais tomei leite. Não é nada de alergia ao leite, ou porque ele produz radicais livres causadores de doenças. É porque sou um ser humano normal.”
A minha amiga ouviu atentamente a explicação e falou que jamais tinha ouvido essa historia e, de certo modo, aceitou. Continuaram a conversar sobre o assunto por mais alguns minutinhos até que se desinteressaram. A conversa rolou então sobre outros assuntos, como a necessidade dos exercícios físicos. A minha amiga que pratica de Pilates a Yôga, passando por meditação transcendental, hidroginástica, academia com todos os recursos oferecidos pelos aparelhos e viciada em longas caminhadas, ficou impressionada com a barriga em tanquinho e a saúde do meu amigo sessentão e pergunta se tem o hábito de caminhar. Resposta: “caminho sim.” Minha amiga colocou em dúvida a veracidade da resposta e o homem do século XXll (século vinte e dois), esclarece que paga um japonês para que toda a manhã faça, com eficiência, uma boa caminhada em seu lugar. Minha amiga riu muito e a conversa continuou neste clima descontraído e alegre.

Jantar com filósofo é outra coisa! O seu cardápio foi cigarro à vontade, sal, limão, algumas latinhas da redondinha e muita, mas muita conversa temperada com muito bom humor.

Enquanto isso, os dois anormais da mesa enchiam a barriga com bolinhos de batata de catupiry e carne. Ele é normal!

Gabriel Novis Neves
05/02/2010

ALMOÇO

Estatísticas apontam que os grandes negócios, acordos, compromissos amorosos, acontecem em um almoço. “O peixe morre pela boca”, diz o ditado popular. Quantos casamentos tiveram seu início em almoços salvadores da dor da barriga vazia?

O almoço é a instituição das decisões. Quanto melhor o cardápio, mais correta a decisão tomada. Nesta estatística não incluo o almoço familiar, muitas vezes centro de competições e desavenças.

Participei de um almoço no domingo. O ambiente da comilança foi o mais agradável possível. Senti que não importunei os anfitriões, nem eles a mim. A comida foi feita a minha vista e, pelos donos da casa. O “refresco” servido foi aquela “redondinha” bem geladinha.

Diante deste cenário perfeito é quase impossível dizer qual foi a melhor parte do almoço. Mas houve a melhor: a conversa liberada sem censura. Pena que nessas ocasiões o tempo passa tão rápido! Era muita conversa para quatro horas (apenas!) de almoço! Troquei a minha sobremesa por mais um pouquinho de conversa.

Para esticar o tempo instituí na minha casa o café da manhã. A conversa começa mais cedo e escorre até ao anoitecer. Assim mesmo nunca consegui finalizar o tema da pauta da conversa do dia. “Precisamos conversar!”, brada o filósofo do bairro Universitário ao se despedir. Concluo: nós que não temos o poder, precisamos, e muito, conversar, fazer vigílias e ficar atentos. Os “nossos adversários” só fazem conversar.

O Presidente do Brasil, os Governadores, os integrantes do Congresso Nacional e das Assembléias Legislativas, serão substituídos em menos de um ano. Temos que conversar, trocar opiniões e impedir, através do voto, o retorno “daqueles” políticos que nos traíram. A luta pela sobrevivência consome todo o tempo e a energia do brasileiro. Além do mais, os que estão interinamente no poder, possuem recursos para manipular as notícias.

Daí a importância do café da manhã, do almoço e, para o bem deste país, até do chá da “noite”. Vou começar a participar deste tipo de almoço e café da manhã. Na hora do chá, estarei dormindo.

Pelo menos, a utopia por dias melhores, produzida por essas conversas, não me fará sofrer por antecipação.

Gabriel Novis Neves
09 de Novembro de 2009

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Orquestra labial

Ao nascer recebemos de Deus um corpo perfeito, repleto de recursos para levarmos uma vida feliz e saudável, e uma alma para nos inspirar e guiar. Usamos pouco o potencial divino do nosso corpo e esquecemo-nos muitas vezes da nossa alma.

Não sei explicar o porquê, mas hoje durante a minha caminhada pelas ruas de Cuiabá, me surpreendi assobiando. Assobiava reproduzindo um samba de 1946, imortalizado pela voz de Isaurinha Garcia – “De conversa em conversa” - de autoria de Lúcio Alves e Haroldo Barbosa. Um hábito que vem da minha infância - uma das coisas que todo menino normal sabia fazer era assobiar.

Estava tão distraído assobiando que não percebi o cumprimento de uma senhora que passava pelo meu lado direito. Quando me chamou pelo nome é que percebi a minha total abstração. Parei por uns instantes com a minha orquestra de boca para me desculpar e retribuir o cumprimento. A seguir, continuei emitindo sons da melodia durante os seis quilômetros do meu exercício.

Que som maravilhoso produz a nossa orquestra “buco-labial”! Na minha memória, a letra do samba dor de cotovelo, que traduzia a realidade da vida da cantora e de muita gente.

Ninguém me ensinou a assobiar. Todos, na época da minha infância assobiavam: adultos, crianças e velhos. Depois inventaram que era falta de educação e coisa feia. As crianças pararam de assobiar e só alguns velhos ainda hoje curtem esse som.

O meu pai, no caixa do Bar do Bugre assobiava. A sua música predileta, era “Tai” cantada por Carmem Miranda: “Tai, eu fiz tudo prá você gostar de mim...”. A minha mãe possuía um repertório maior, mas a sua favorita, em qualquer oportunidade era “Maracangalha” de Dorival Caymmi: “Eu vou prá Maracangalha, eu vou...”

Naquela época muitos grupos profissionais se apresentavam em shows e gravavam discos assobiando. Não sou um expert em música, nem possuo qualquer habilidade em tocar instrumento musical, mas, ao assobiar, até que consigo pegar o ritmo da música - e o som que escuto me faz tão bem!

A beleza dessa orquestra que Deus nos deu, é surpreendente! É um dos recursos do nosso corpo que pouco se usa hoje em dia. Descobri que se pode ficar feliz com coisas pequenas e aparentemente insignificantes.

Como é gostoso assobiar!

Gabriel Novis Neves
24/01/2010

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O SAPATINHO DE SALTO ALTO

Estamos na agonia do horário de verão, o vilão dos atletas da madrugada. Seis horas da manhã, o dia ainda está escuro. Para os dorminhocos este horário deve ser um bálsamo.

Ainda noite, embora manhã, passo pela calçada de uma churrascaria movimentada, agora adormecida. Na calçada deserta e imunda da churrascaria, um sapatinho preto, de bico fino e salto alto. Se fosse um par não me chamaria atenção. Com certeza alguém o teria abandonado por estar com muita pressa ou talvez vontade de chegar em casa descalça, para não fazer o “toc-toc” dos saltos finos. Mas era apenas um pé do sapato! Caminhava e pensava. Porque aquela cobertura de proteção de um dos pés fora deixada abandonada? A sua proprietária fugia talvez de algum perigo eminente, e na relação custo beneficio achou melhor deixar o sapatinho de salto alto? Difícil uma cinderela da madrugada fugir. Ou será que estava correndo atrás de alguém que lhe deixara e perdeu o sapatinho? É possível. A verdade é que ele estava estirado na calçada da porta da churrascaria, despertando em mim compaixão. Outros transeuntes, eu tenho certeza, nem perceberam a tristeza que representava aquele ímpar sapatinho de salto alto, englobando-o como lixo da calçada. O que faz alguém a não voltar e calçá-lo, depois de perceber que está andando apenas com um sapato? O benefício talvez compensasse o abandono.

No meu retorno, paro para identificar a marca do sapatinho. Porque, não sei. Observo apenas que ele estava virado para a direita e no protetor do pé li uma série de letras, talvez o abecedário que não é marca. Continuo pensando, não no sapatinho de salto alto, mas na sua proprietária. O que teria acontecido com ela? São estes mistérios que encontro quando caminho pela cidade que amo.

Gabriel Novis Neves
30-01-2010

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O telefone tocou

Chamo o elevador! Antes mesmo da sua chegada, escuto meu telefone fixo, que nunca toca, me chamando. Volto para atendê-lo. Do outro lado da linha ouço uma gravação do Ministério da Saúde. A voz metálica me informa que moro em uma área de alto-risco para contrair dengue, e que a dengue mata! Depois do anúncio da minha provável morte, continuei ouvindo os conselhos oficiais de como evitar minha morte pelo mosquitinho. Até quis agradecer, mas era uma gravação... fiquei frustrado!

Retorno ao elevador, e enquanto espero a máquina, me lembro da semelhança entre a informação recebida e o anúncio da “boneca inflável”, para prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (DST). Como as nossas autoridades sanitárias são cuidadosas e preocupadas com a nossa saúde!

Ao sair de carro pela garagem, o porteiro me alerta para que eu desvie da rua tal - um rotineiro acidente de trânsito, com vítimas correspondentes a três dias de vítimas pelo mosquitinho, paralisou o trânsito. Mudo a minha rota e lembro-me de uma manchete que li na internet: “bala perdida mata idoso.” Como em um filme de terror vão surgindo em minha mente notícias que, de tão recorrentes, se banalizaram. Não são mais notícias: seqüestros relâmpagos em plena luz do dia, bandidos assaltando bancos, chacinas de menores em bairros periféricos, mulher grávida esfaqueada.

Chego, enfim, à casa do meu filho. Conto-lhe do telefonema recebido e ficamos divagando. Disse a ele que o correto seria evitar ao máximo sair de casa. Só para trabalhar, e em casos de extrema necessidade. Agora vem o Ministério da Saúde e diz que corro risco de morte em casa. Fico pensando no assombro e indignação das pessoas no meu velório. Na minha idade, muitos morrem de parada cardíaca, respiratória, quedas, e no meu atestado de óbito constará como causa da morte: “picada de mosquito”. É assustador na nossa cidade e Estado o número de pessoas que diariamente morrem da picada do mosquitinho da dengue.

Esta doença há muito tempo foi banida dos países do primeiro mundo e dos chamados emergentes. Nas reuniões de chefes de Estado o Brasil exige o título de país mais emergente. Nas reuniões dos países ricos até pede para participar sem direito a voto. Temos uma economia fortíssima, tão resistente aos tsumanis financeiros internacionais, que quando chegam por aqui, são simples marolinhas. Emprestamos dinheiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e perdoamos as dívidas dos países pobres. Neste país tão premiado, abençoado por Deus e admirado pelo mundo, cultivamos uma doença da Idade Média – a Dengue, produzida pela picada de um simples mosquitinho. Como explicar este “fenômeno” aos estrangeiros que virão assistir a Copa do Mundo aqui?

Por essas e outras é que fujo da profissão de guia turístico como o diabo foge da cruz. Perder uma guerra em pleno século XXI para o mosquitinho, no mínimo significa um retrocesso à Idade Média. Como nos faz falta uma séria política pública social! Vamos continuar como estamos?

Não pretendo mais atender telefonemas no meu aparelho fixo. Que ele continue silencioso!

Gabriel Novis Neves
29/01/2010

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

GOLIAS

Aqueles que não são da geração do Golias, talvez não entendam muito bem o meu artigo. O Golias pertenceu ao timaço dos humoristas do rádio e foi um dos pioneiros da televisão. Foi um dos comediantes mais engraçados da história do Brasil. Os eruditos o classificam de “pai do besteirol.” Eu simplesmente achava, não só ele, mas todos os seus colegas da época, divertidíssimos. Para mim bastava ouvi-lo ou vê-lo na TV, inicialmente com imagens preto e branco, para dar boas e gostosas gargalhadas.

O humor é um talento inato. A veia humorística nasce com o artista. Chega de atores “preparados” para o humorismo! A maioria dos comediantes que hoje se apresentam não é nem entendido pelo grande público, e muitas vezes, causa-nos aborrecimentos. O Golias com aquele boné de aba virado para o lado, com aquela boca de beicinho - que de engraçada só perdia para a do Costinha - com seus “cacos” inteligentes e com sua irreverência, era um mestre na sua arte! O seu personagem Pacífico na “Praça da Alegria” (programa criado por Manuel da Nóbrega) ficou famoso pelo bordão “Ô Cride, fala prá mãe...”, dita aos berros para um colega do elenco. Bons tempos aqueles do humor inocente e das risadas sem maldades!

Hoje na minha caminhada matinal, tive vontade de berrar o famoso bordão. A nossa cidade está suja, imunda, com produtos que você só encontra no lixão: restos de comidas, sacos plásticos vazios, caixas de papelão, embalagens de remédios utilizados, latinhas para todos os gostos e muitos cacos de vidro. O mato toma conta dos terrenos e invade as ruas asfaltadas - isto no bairro de maior PIB (Produto Interno Bruto) político e econômico da cidade! Na periferia, esgoto a céu aberto, mato escondendo ruas e verdadeiras picadas no chão de terra batida para os seus moradores alcançarem as suas casas. Surgiram agora os bolsões de sujeiras, identificados pelos dois helicópteros do Estado.

Providências concretas para sanear esta situação, tão favorável ao mosquitinho da dengue, só aquela gravação do Ministério da Saúde me avisando que moro em um lugar de alto risco para morrer picado.

Não sei por quê... Mas não me sai do pensamento o famoso bordão do Golias: - Ôcrides, diz para mãe que agora sim, vou morar na lua!

Gabriel Novis Neves
30/01/2010