domingo, 17 de agosto de 2025

O RELÓGIO DA ESTAÇÃO


É um objeto que marcou encontros e despedidas.

 

Conta as histórias de quem chegou atrasado, de quem esperou em vão e de quem partiu sem olhar para trás.

 

É a vida correndo em torno de um ponteiro que, silencioso ou sonoro, selava destinos. Como nunca tivemos trem — portanto, relógio na estação — usávamos o da Catedral com suas badaladas ecoando pela cidadezinha.

 

No porto do rio Cuiabá, era o apito dos pequenos navios que anunciava chegadas e partidas.

 

O relógio da Central do Brasil, no Rio, era meu azimute para chegar, pontualmente ao Pronto-Socorro Souza Aguiar, no início dos plantões.

 

Em Cuiabá, no porto, eu sabia da saída ou chegada das pequenas embarcações por onde vieram meus antepassados —e por onde partiram para estudar em Salvador.

 

Sou do tempo dos aviões DC-3.

 

Guardo na memória a única viagem de hidroavião, decolando do rio Cuiabá, antes da construção da ponte Júlio Muller.

 

Esses objetos despertam em mim um saudosismo incontrolável, com muito romantismo.

 

Velhos se encontram com o seu passado longínquo, revivendo um tempo que passou — e que não volta mais.

 

Penso em adivinhar, se isso fosse possível, o que aquele relógio viu e sentiu.

 

Seus símbolos permanecem como guardiões da memória.

 

Eu daria tudo para viver novamente aqueles dias em que eu era feliz — e não sabia.

 

Lembro da minha família numerosa que o tempo foi reduzindo biologicamente.

 

Objetos como o relógio da estação, a corneta do quartel e o sino das igrejas sempre estiveram associados ao destino das pessoas —e, muitas vezes, à dor da separação.

 

O que seria dos poetas se essas referências não existissem?

 

Quem lhes daria voz e vida?

 

O que eu estaria fazendo neste momento sem elas?

 

Não desejo voltar ao passado, pois sei que o futuro é incerto.

 

Mas recordar é viver, e pretendo ainda viver muitos anos, pois tenho uma missão a cumprir.

 

Quero chegar aos meus tataranetos para, então, poder dizer que posso partir.

 

Daqui para frente só terei encontros — e que sejam muitos!

 

Gabriel Novis Neves

12-08-2025


1939 - Hidroavião no rio Cuiabá.
Ao fundo, a Lancha 'Cidade de Corumbá'





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