O telefone toca. São seis horas da manhã. Do outro lado da linha a minha neta - a operada do dia.
“- Vô, você já acordou?”
“- Estou pronto para acompanhá-la ao hospital”. Respondo.
“-Tá bem. Eu estou nervosa. Já fiz até cocô.”
“- Ótimo minha neta, vamos inventar uma cirurgia toda manhã, pois só assim o seu intestino irá funcionar fisiologicamente.”
“- Ah!”. Responde sorrindo. “Daqui a pouco passo na sua casa para te pegar. Quero chegar com você, e você não vai ficar longe de mim.”
“- Mas ainda falta uma hora, menina!” Recomendo então que leia o meu artigo publicado hoje – Decisão.
Minutos depois ela retorna a ligação dizendo que o que está fazendo-a sofrer é porque está tomando uma decisão.
“- Li o seu artigo vô e fiquei mais tranqüila.”
Em compensação elevou a auto-estima do vô.
Hospital como sempre em Cuiabá está lotado. Da recepção minha neta foi direto ao centro cirúrgico. Aguardou algum tempo na sala de recuperação. Daí é transferida para a sala cirúrgica e preparada para o ato operatório. Acompanho-a em todos esses procedimentos.
Com as mãos seguro a sua cabeça, me aproximo do seu rosto. No meu ouvido ela diz baixinho que está com medo e se pode desistir da cirurgia- tão desejada por ela. Digo-lhe que gostaria que fizesse a cirurgia atendendo a um pedido meu. Seus olhinhos brilharam de alegria! Naquele instante eu estava aderindo à decisão pela escolha dela. Beija-me e aperta as minhas mãos. Tranqüila, tranqüila, adormece para os procedimentos anestésicos e cirúrgicos.
Assisto a cirurgia e tento descrever, não o ato técnico rotineiro a um médico de meio século de centro cirúrgico, mas o ambiente em que estou inserido como mero acompanhante. São oito profissionais na sala. O silêncio só é quebrado pelo suave barulho do respirador mecânico e pelos batidos que monitoram os sinais vitais – pulso, pressão arterial e oxigenação. Às vezes, uma comunicação em voz baixa dos cirurgiões. O maior ruído é do aspirador da ferida cirúrgica poucas vezes utilizado e do cautério para hemostasia dos pequenos vasos sanguíneos. O ambiente é de absoluta paz. Sinto-me totalmente protegido num local que produz temores em muita gente. Ansioso estou para ver a minha neta acordada com o seu novo número de sutiã. O ato cirúrgico está quase concluído. A vontade da minha neta de se aceitar com a anatomia alterada é tão grande que barreiras, outrora impossíveis de serem transpostas, parecem agora pequenos obstáculos.
As nossas dificuldades emocionais, escondidas e guardadas a sete chaves com os seus segredos, são mais complicadas de serem resolvidas. Seria bom se soubéssemos externar o amor, a amizade, o carinho, a solidariedade, a compreensão. Como o tratamento destes distúrbios nos fariam mais bonitos e úteis a sociedade! A cirurgia está terminada. A minha tranqüilidade também.
Daqui a pouco estarei na rua, enfrentando todas as misérias deste mundo perfeito criado por Deus, e destruído por nós. A minha neta marcou pontos favoráveis a seu favor demolindo vários mitos que carregava. Agora só me restam forças para suportar a pressão de mais quatro netas!
Parabéns neta pioneira pela quebra de falsos valores que a atormentavam! Eles foram extirpados e ficaram no centro cirúrgico.
Comovido pela sua primeira grande decisão receba um beijo do vô orgulhoso da sua forte personalidade.
Gabriel Novis Neves
05-07-09
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.