domingo, 15 de junho de 2025

O RITMO DO TEMPO


Na vida, há tempo para tudo. Já percorri muitas dessas etapas.

 

Ao entrar na casa dos noventa, recordo-me de cada uma delas.


Aumentei a família e acumulei amizades ao longo do caminho.

 

Tudo começou na casinha da rua de Baixo onde nasci, e chegou até os dias de hoje.

 

A festa de aniversário pelo meu nascimento tornou-se inviável — pelo número enorme de convidados.

 

Tudo tem seu tempo, até mesmo para celebrar nossas datas.

 

Lembro-me com carinho das pessoas queridas que ainda estão comigo, e daquelas que já partiram.

 

Como eram simples as primeiras reuniões de aniversário, e como se tornaram difíceis hoje, carregadas de simbolismo.

 

Eu também já não sou o mesmo para suportar horas de duração.

 

O pior é esquecer daqueles que não deveriam ser esquecidos.

 

Nessa longa caminhada, quantos amigos ganhei! E quantos familiares vieram somar!

 

Se ainda pudesse comandar plenamente o corpo, me aventuraria a abraçar todos os que me são caros.

 

Com as mídias socias, um mundo de gente lembrará — tarde demais — que foi esquecida do encontro.

 

Isso certamente me entristeceria, tirando a alegria de um momento tão especial.

 

Minha emoção ficará à flor da pele diante de reencontros desejados, mas fora do tempo.

 

Meus filhos, familiares e amigos próximos desejam o encontro afetivo.

 

De outro lado, minha saúde prefere o repouso.

 

Nesse desassossego, apelo à escrita, que me ajuda a atravessar o tempo.

 

Sempre fui muito simples nas comemorações.

 

Como exemplo, cito meu casamento — e o da minha filha.

 

Deus sempre protegeu os humildes. Sinto-me um desses privilegiados.

 

Com a idade, parece que perdemos o comando das decisões —pensam alguns.

 

Mas pretendo manter a integridade das minhas escolhas, em respeito à minha saúde.

 

Gabriel Novis Neves

08-06-2025




sábado, 14 de junho de 2025

TECNOLOGIA: BENÇÃO OU CASTIGO


Para os nascidos na década de trinta, viver no mundo de hoje é, por vezes, um tormento.

 

Tudo depende das novas tecnologias. Sem internet, a vida parece estagnar.

 

O romantismo de antigamente foi extirpado pelas máquinas.

 

As conversas nas filas dos bancos deram lugar aos aplicativos silenciosos.

 

Ninguém mais sai de casa para pagar contas ou trocar dinheiro.

 

O PIX resolve tudo — até pagamento de consulta médica. Talões de cheques viraram peças de museu.

 

Os táxis, tão uteis em outros tempos cederam espaço ao Uber, que sequer tem ponto fixo.

 

Cartas escritas à mão? Só nas aulas de português. Agora, o celular resolve tudo: mensagens, WhatsApp chamadas de vídeo.

 

Fotografias coloridas? Estão na palma da mão.

 

Jornal impresso? É lembrança do tempo do vovô.

 

Nada como um notebook sem falhas técnicas — quando funciona, é um alívio.

 

O analfabeto tecnológico não consegue sequer os empregos mais simples, como o de entregador, que precisa digitar uma nota fiscal.

 

Na China, já há hospitais sem médicos, enfermeiros ou funcionários.

 

Tudo é comandado por Inteligência Artificial — com bons resultados.

 

Os cirurgiões mais jovens operam com robôs.

 

Os antigos ainda confiam no bisturi e na tesoura.

 

Consultas e exames médicos são agendados por aplicativo.

 

Quando a internet falha, é um Deus nos acuda. O atendimento é remoto — feito por robôs.

 

A tendência é clara: a máquina substitui o homem.

 

Quem não domina o digital — como eu — depende dos outros o tempo todo.

 

Há sempre um problema a resolver.

 

Trabalho com o computador e sei o esforço que é digitar uma crônica de 300 palavras.

 

Quando consigo, considero uma vitória.

 

Recebo inúmeros e-mails — e nunca sei se são sérios ou golpes de criminosos cada vez mais sofisticados.

 

O progresso cobra seu preço —geralmente alto.

 

E muitos não conseguirão acompanhar esse ritmo impiedoso.

 

Gabriel Novis Neves

11-06-2025







sexta-feira, 13 de junho de 2025

UMAS MAIS, OUTRAS MENOS


Alguns textos fluem com velocidade. Começo e termino sem tirar os dedos do teclado.

 

Hoje, porém, passei o dia inteiro para concluir uma crônica de trezentas palavras.

 

Iniciei esta e vou interromper por aqui, para descansar. Amanhã termino.

 

As reportagens são relatos fáceis de escrever.

 

Já os textos que dependem da criatividade me tomam horas — e até dias — para concluir.

 

Procuro os assuntos mais simples, pois já não tenho idade para me cansar à toa.

 

‘Tesouros na lixeira’ me deu muito trabalho.

 

Se agradou aos leitores, só saberei após publicação pelos comentários.

 

Mas o hábito — ou seria da dependência? — me obriga a escrever diariamente.

 

Como escrevo mais crônicas, sigo uma pauta. E haja trabalho!

 

São elas, no entanto, que por vezes exigem menos esforço. Às vezes, até sinto sono em plena manhã.

 

Em certas ocasiões, interrompo e procuro a cama.

 

Hoje, como a casa estará repleta para o almoço da semana — com feijoada, torresmo e o friozinho já se despedindo —terei muitos assuntos.

 

A presença dos meus quatro bisnetos é garantia de novidades para a próxima crônica.

 

Criança tem o dom de inventar histórias fáceis de narrar.

 

Com o friozinho que faz em nossa cidade, imagine os causos que terão a contar...

 

A começar pela dor de garganta que atacou Maria Isabella, levando-a ao consultório do pediatra e ao uso de antibiótico.

 

A menorzinha, Valentina, com um aninho, ensaia seus primeiros passos apoiando-se na cama.

 

Maria Regina, cada vez mais linda, vencendo sua timidez.

 

O falastrão João Gabriel sonha com carrões de verdade, tênis e roupas sofisticadas.

 

Lourenço o bisneto de Portugal, manda vídeos e conversa por chamada de vídeo. Diz que virá para o meu aniversário.

 

Minha filha Monica contará sobre a sua última viagem ao Havaí com o esposo.

 

A família do meu filho Fernando ainda está em Miami, e Ricardo foi para a fazenda em Porto Esperidião, Cáceres.

 

Esta, confesso, foi fácil de escrever.

 

Gabriel Novis Neves

31-05-2025






quinta-feira, 12 de junho de 2025

CONVERSAR COM A CIDADE


Um cuiabano, professor da nossa universidade, certa ocasião me chamou a atenção:

 

— Há necessidade de nossos dirigentes conversarem com a cidade.

 

Fez alusão ao distanciamento da nossa elite intelectual em relação aos problemas do cotidiano.

 

A universidade é um instrumento de valorização humana para todos os habitantes de uma cidade e de sua região. Daí a necessidade de dialogar com ela.

 

Não é um corpo estranho alienado de seu contexto.

 

Ambos — universidade e cidade — devem percorrer os mesmos caminhos. Partilhar das mesmas inquietações. Sonhar as mesmas ambições.

 

A cidade tem seu calendário próprio, feito de datas que a tornam desigual — dias festivos, dias santos, dias comuns.

 

Estamos em plena Semana Santa, tempo em que a vida da cidade, impulsionada pela fé religiosa, se transforma.

 

É tão bonito relembrar esses dias, que nos transportam a um passado cheio de histórias e tradições!

 

Trazemos para bem perto de nós os avós, os pais, os irmãos, os tios, a igrejinha da Matriz, o padre, e o belo ritual da Semana Santa.

 

A cidade santificada conversava com sua gente.

 

As procissões, as missas, os sermões, as rezas, o incenso, os sinos, o ato do lava-pés, a Via Sacra, a crucificação de Cristo, o velório, a ressureição.

 

Durante uma semana, a cidade e seus moradores se entristeciam — para no Domingo de Páscoa, se abraçarem de alegria.

 

Esses momentos da nossa história procuro nos dias atuais... e não os encontros. A cidade, hoje, é a de todos os dias.

 

Sinto saudades da minha infância, e da cidadezinha onde nasci.

 

Como era bom viver por aqui, naqueles tempos...!

 

Até a comida era diferente. E não faltava a canjica — tradição ainda mantida por poucos.

 

Hoje, a cidade permanece desligada durante a Semana Santa.

 

Será que essa descaracterização de um evento de tamanha religiosidade pode ser atribuída tão somente, à violência urbana?

 

A população embruteceu?

 

Ninguém mais conversa com a cidade?

 

A fé religiosa que trago da infância me deu saudades e forças para revisitar meu passado — nesta emblemática tarde de Quinta-Feira Santa.

 

Gabriel Novis Neves

17-04-2025




quarta-feira, 11 de junho de 2025

O TEMPO E MEU PAI


Em certas ocasiões, sinto necessidade de que o tempo passe depressa.

 

Um bom exemplo são os períodos em que realizo meus exames de saúde de rotina.

 

Com o avanço da medicina — e da minha idade —esses exames aumentam a cada semestre, tanto em número quanto em duração.

 

Mesmo com resultados normais, gasto bastante tempo para cumprir essa maratona.

 

Por ser o primogênito, fui o filho que mais contato teve com meu pai.

 

Ele só precisou de cuidados médicos após os setenta anos.

 

Não me lembro de vê-lo gripado, ou de faltar ao trabalho por motivos de saúde. Muito menos o vi frequentando consultórios médicos.

 

Certa vez, teve hipertrofia benigna da próstata.

 

Uma tarde, minha mãe me chamou na reitoria da Universidade Federal de Mato Grosso, para ver como ele estava.

 

Disse que ele passara o dia todo deitado, gemendo.

 

Sem nada comentar, fui ao seu encontro.

 

Ao examiná-lo, percebi uma grande massa acima da cicatriz umbilical.

 

Perguntei se os rins estavam funcionando. A resposta seca: —Hoje não.

 

Levei-o ao consultório do urologista, que confirmou tratar-se de retenção urinária.

 

Trouxe de casa uma lata vazia de vinte quilos de banha de porco e uma sonda uretral.

 

Aos poucos, aquele ‘tumor’ de urina foi diminuindo —e quase encheu o latão.

 

Pelo exame físico, confirmou-se um aumento expressivo da próstata, com indicação de cirurgia.

 

Meu pai foi internado na Santa Casa de Misericórdia e operado por via abdominal.

 

Recebeu alta, curado, no sétimo dia.

 

Não me recordo de ele ter feito qualquer exame laboratorial pré-operatório, mesmo com mais de setenta anos.

 

Faleceu aos oitenta e oito anos de idade, quando a expectativa de vida era de apenas 68.

 

Nunca foi vacinado, tampouco fez prevenção.

 

Nos últimos anos teve dificuldades de locomoção, quando ainda não existiam fisioterapeutas em Cuiabá.

 

Hoje, estou naquela fase da vida em que a gente deseja que o tempo voe...

 

Gabriel Novis Neves

20-05-2025




terça-feira, 10 de junho de 2025

A ESPERA

 

Numa tarde de segunda-feira, com leve queda de temperatura e sem nada a fazer, resolvi contar quantas crônicas tenho para publicar.

 

Assustei-me com o número: 172!

 

Poderia ter procurado outra forma de ajudar o tempo a passar.

 

Aguardo nova consulta com o oftalmologista para aumentar o grau das minhas lentes.

 

Tenho livros que me interessam, mas as letras miúdas me impedem de avançar na leitura.

 

Os aplicativos bancários também dificultam o trabalho com suas letras microscópicas.

 

Escrevo numa tela ampliada, acoplada ao meu notebook.

 

E é assim que passo os meus dias.

 

Interessante é que o cotidiano ainda me inspira a escrever.

 

Tenho receio de repetir, principalmente os títulos das crônicas.

 

Sempre pesquiso no blog Bar do Bugre quando surge alguma dúvida.

 

Mesmo assim, notei que uma crônica escrita ontem tem o título idêntico ao de outra publicada em 2013 — embora com tema completamente distinto.

 

Um colega da universidade sugeriu que eu diversifique os assuntos, para não me tornar repetitivo.

 

Escrevo para mim e alguns amigos leitores.

 

Ao verificar as estatísticas de acesso ao blog, percebi que meus leitores não se interessam por textos sobre futebol e política.

 

Preferem biografias, histórias de Cuiabá, sua gente e manifestações culturais.

 

As crônicas sobre nosso carnaval, festas religiosas e personagens históricos sempre tiveram muito acesso.

 

Sinto prazer em escrever, como agora, numa tarde tranquila.

 

É como se meus dedos deslizassem pelo teclado, à procura da palavra exata para encaixar na frase.

 

Penso no jogo de damas — simples como meus textos.

 

O xadrez exige mais: atenção, raciocínio e controle emocional para movimentar cada peça no tabuleiro.

 

Aprendi a jogar xadrez na casa do meu avô, antes mesmo de ser alfabetizado.

 

Pratiquei por muitos anos esse nobre esporte, até abandoná-lo por não suportar a derrota.

 

Hoje, descobri uma companhia leve e fiel para meu envelhecimento: escrever sobre o cotidiano.

 

Gabriel Novis Neves

09-06-2025



segunda-feira, 9 de junho de 2025

BRINDANDO A VIDA


Aceitei o convite da minha filha para o almoço do primeiro sábado de junho.

 

Sei que meu estado de saúde não permite essas extravagâncias.

 

Costumo almoçar com a cuidadora e, em seguida, vou direto para a sesta.

 

A reunião da família acontece uma vez por semana, mas logo deixo a sala — não janto e o lanche das sete da noite me é servido na cama.

 

Não me lembro da última vez em que almocei ou jantei fora.

 

Já testei: não me sinto bem quando saio de casa.

 

Dou um trabalhão ao motorista, à enfermeira e a quem me convida.

 

Mesmo em datas especiais — como Natal, Ano Novo e meu aniversário — mantenho a rotina de ficar em casa e dormir cedo.

 

Hoje, forcei a barra.

 

Sai do meu quarto, sentado na cadeira de rodas, até a casa da minha filha, a vinte minutos daqui.

 

Logo nos sentamos à mesa, com quatro convidados e o esposo dela.

 

Um filho e a esposa estavam em São Paulo. Outro, tinha um compromisso.

 

Meus netos e bisnetos estavam em aniversários de amigos.


Mas minha filha insistiu tanto, que acabei cedendo.

 

Já saí de casa sentindo um mal-estar. Mas insisti.

 

Não aproveitei a comida deliciosa, não conversei com ninguém e só pensava em voltar.

 

Joguei-me na cama por uma hora e levantei-me para escrever.

 

Será que ninguém entende a velhice em uma pessoa com saúde?

 

Sei que esses convites são demonstrações de carinho.

 

Mas a minha recusa precisa ser compreendida como um limite imposto pela saúde.

 

Doente não é só quem está internado em uma UTI.

 

Tenho muita saúde para minha idade, estou bem — mas tenho certas limitações.

 

A mais importante delas é a locomoção, mesmo em cadeira de rodas.

 

Gabriel Novis Neves

07-06-2025