sábado, 12 de julho de 2025

NO SILÊNCIO DO ALMOÇO


Julho é mês de férias, e parte dos meus filhos irá aproveitar para se divertir no verão do hemisfério norte.

 

Nesse período os almoços da família serão silenciosos.

 

Um grupo — o maior de todos — partirá neste domingo direto para a Itália.

 

Durante quinze dia peregrinarão pelo país das artes e tradições.

 

Minhas bisnetas, de oito e sete anos, e o pequeno João, de quatro, certamente aproveitarão muito e guardarão para sempre as lembranças dessas férias.

 

Assim se constrói a cultura geral — e são felizardos os que podem usufruir desse bem.

 

A Itália, com suas cidades históricas, será uma verdadeira aula para meus pequenos, inclusive para a bisneta de pouco mais de um ano, que já entende o mundo à sua maneira.

 

Dez dias depois, meu filho e sua família seguirão para Portugal e Espanha, onde passarão cerca de quinze dias, matando a saudade do meu bisneto português.

 

Esses pequerruchos estudam em escolas bilíngues, e já compreendem —e até arriscam — algumas palavras em inglês, a língua universal.

 

Meu filho caçula, que ainda não tem netos, a qualquer hora poderá embarcar para um desses paraísos espalhados pelo mundo.  

 

Sinal de que os almoços da família ficarão silenciosos sem a alegre algazarra das crianças.

 

Um nó me aperta a garganta, mas sei que essa ausência, embora breve, será para o bem deles.

 

Na minha época, as famílias com recursos enviavam seus filhos para estudar no Rio de Janeiro —e também para conhecer uma cidade grande, menos provinciana.

 

Minha primeira viagem internacional, foi à Europa, aos 33 anos, a serviço do meu Estado.

 

Minha bisneta de pouco mais de um ano, conhecerá a Itália!

 

O ensino dela tem tudo para ser melhor que o meu.

 

Viajar sempre amplia nossos horizontes —seja pelo interior do nosso Estado, ou percorrendo este imenso país.

 

Se terei almoços silenciosos com a ausência dos meus, terei também a certeza de que estarão adquirindo conhecimentos.

 

E isso me enche de prazer.

 

Gabriel Novis Neves

11-07-2025




sexta-feira, 11 de julho de 2025

A HERANÇA DE UM JARDIM

 

Quem lê os meus textos, sempre emoldurados por uma flor do meu jardim, talvez não imagine que o hábito de cultivar jardins em casa é uma herança do meu bisavô materno — Marechal Américo Rodrigues de Vasconcelos

 

Foi ele, engenheiro militar, quem, ao final do século XIX, veio do Rio de Janeiro para Cuiabá acompanhado da esposa argentina Leonarda Fernandez e da filha única Eugênia, nascida no Rio de Janeiro.

 

Sua missão: construir o primeiro jardim público da cidade.

 

O então presidente da Província de Mato Grosso solicitou ao governo de Deodoro da Fonseca, apoio técnico e financeiro para transformar o largo em frente ao Palácio do Governo, em um belo jardim, conferindo à capital ares de cidade desenvolvida.

 

Minha avó Eugênia logo se apaixonou por um filho da terra — Gabriel de Souza Neves, e casaram-se.

 

Dessa união nasceram dez homens e cinco mulheres.

 

Meu bisavô importou da Europa um coreto e um chafariz.

 

Trouxe palmeiras imperiais de Petrópolis e árvores floridas da região.

 

Canteiros repletos de rosas coloridas completavam o cenário.

 

O entusiasmo tomou conta da cidade. No dia 28 de setembro de 1882, na inauguração, o Presidente Alencastro, batizou o local de Praça Alencastro.

 

Durante muito tempo os cuiabanos o chamavam simplesmente de Jardim.

 

Mesmo já médico, em 1960, eu ainda passeava por lá. Até hoje, costumo dizer ‘vou ao Jardim’, em vez de ‘à Praça’.

 

Era o ponto de encontro da sociedade cuiabana, antes da televisão.

 

Após o jantar, famílias inteiras iam ao Jardim. Os filhos adolescentes conversavam nos bancos de concreto, enquanto as moças paqueravam entre as alamedas floridas.

 

Às quintas e domingos, havia retreta no coreto: banda da Polícia Militar em uma noite, do Exército na outra.

 

As moças do bairro do Porto vinham conversar e namorar.

 

Muitos casamentos e amizades começaram ali.

 

Os jardineiros da Prefeitura zelavam com esmero por aquele paraíso urbano.

 

Nos primeiros tempos, o Jardim era gradeado para impedir a entrada de animais de grande porte.

 

Meu bisavô ainda deu início a outras obras públicas: a Fábrica de Pólvora no Porto, o calçamento das ruas e o abastecimento de água.

 

Com a posse de Floriano Peixoto, ele retornou ao Rio de Janeiro com a esposa.

 

Deixou, como herança esse carinho que até hoje cultivo pelos jardins.

 

Gabriel Novis Neves

10-07-2025














quinta-feira, 10 de julho de 2025

ESCREVER PARA NÃO ESQUECER

 

O melhor meio para não se esquecer de algo que presenciamos é escrevendo.

 

Por mais que sejamos atentos e espertos para memorizar os fatos, com o tempo acabamos esquecendo.

 

Imagine alguém com noventa anos e excelente memória: quanta coisa o tempo levou para o esquecimento?

 

Sou um armazém repleto de lembranças, mesmo sabendo dos inúmeros fatos que já esqueci.

 

Meu fraco são os nomes — esqueço-os com facilidade.

 

Mas qual a vantagem de lembrar tudo o que vivemos?

 

Mesmo os momentos alegres não permanecem para sempre, e os desagradáveis, quando esquecidos, funcionam como remédios — curam a alma.

 

Desde criança aprendi com os adultos a escrever sobre os principais acontecimentos do dia num caderno da capa dura, chamado ‘escrivães’.

 

Esses cadernos eram guardados ano após ano em imensos armários e consultados em ocasiões especiais.

 

Anos depois, eram queimados pelos herdeiros, como se o conteúdo interessasse apenas a quem os escreveu.

 

Uma pena! Parte da história da cidade se perdia em nome da modernidade.

 

Presenciei, com dor no coração, a fogueira das anotações do diário do meu avô.

 

Sinto falta dessas memórias.

 

Seriam de grande valor nas crônicas do cotidiano que publico no blog Bar do Bugre.

 

Quantos fatos importantes se perderam com a mudança dos costumes!

 

Participei dessa transformação em que o antigo passou a não ter valor.

 

Bibliotecas importantes de Cuiabá foram queimadas por herdeiros, inclusive as de órgãos públicos.

 

Os Anais Históricos de Cuiabá, verdadeiro atestado de nascimento da nossa cidade, só foram salvos das traças, graças à visão histórica do Padre Wanir Delphino César, da Academia Mato-Grossense de Letras.

 

Em 1968 ele mandou restaurá-los na Casa da Moeda, no Rio de Janeiro.

 

A professora Marília Cecília, microfilmou em Portugal e na Espanha, documentos fundamentais para a história da nossa terra, a serviço da Universidade Federal de Mato Grosso.

 

Com o advento das novas tecnologias e da internet, ficou mais fácil preservar nossa história — e o que escrevemos.

 

Gabriel Novis Neves

08-07-2025




quarta-feira, 9 de julho de 2025

PRESENTES

 

Sempre achei difícil dar presentes às pessoas nas suas datas festivas.

 

Quando atingi idade e autonomia para presentear os meus, nunca acertava suas expectativas.

 

Resolvi o problema de forma simples: passei a oferecer dinheiro como presente.

 

Assim foi com minha mulher, filhos e netos.

 

Minha esposa costumava escolher os próprios presentes, e na sua ausência, minha filha assumia essa tarefa.

 

Ontem foi o meu aniversário. Ganhei muitos presentes e um montão de carinhos e afetos.

 

Percebi o poder criativo da minha família quando se trata de presentear.

 

Um livro, sem dedicatória escrita, mas com palavras ditas pelos olhos. Flores — muitas! — em arranjos delicados.

 

Cremes de barbear e hidratantes para o corpo.

 

Camisetas e camisas de cores variadas. Meias para uso diário. Xícaras de café e leite com a estrela do Glorioso e a minha idade: 90 anos!

 

Pronto! Estou abastecido para o resto do ano.

 

Fui dormir com a cama repleta de presentes — e com a certeza da minha inabilidade em dá-los.

 

Mas o melhor presente que recebi foi a presença da família toda reunida em minha casa — inclusive os cinco bisnetos.

 

O português que ama Cuiabá veio da Europa para o meu aniversário.

 

Meus irmãos estiveram presentes, exceto o que mora em Niterói.

 

Alguns eu não via há muito tempo.

 

Senti-me profundamente amado por dois motivos: pela presença dos meus familiares e pelos quarenta anos de casamento da minha filha.

 

A alegria voltou a reinar em minha casa, agora pequena para abrigar tanta gente.

 

Acordei com uma doce ressaca de felicidade, já pensando nas festanças do meu centenário.

 

O mais difícil já passou —agora, tudo é lucro.

 

Tenho dez anos para me recuperar da festa de ontem, que foi de arromba.

 

A casa amanheceu muito florida.

 

Todos conhecem minha paixão por flores. E sigo recebendo orquídeas, que agora enfeitam minha sala de visitas.

 

Gabriel Novis Neves

07-07-2025






terça-feira, 8 de julho de 2025

SABOR DO TEMPO


O tempo tem sabor. Quem viveu muito sabe disso.

 

Na infância o tempo tinha gosto de manga chupada no pé, com o suco escorrendo pelo queixo. De pão com manteiga derretida no café da manhã. De geladinho de groselha comprado na porta da escola por moedas que sobravam do troco do armazém.

 

Na juventude, o tempo foi apressado, mas doce. Tinha o gosto do primeiro beijo, do primeiro baile, do primeiro emprego. O sabor das descobertas — umas amargas, outras apimentadas, todas marcantes.

 

Depois, veio o tempo com gosto de compromisso. Casamento, filhos, contas a pagar. O tempo ganhou o sabor do feijão bem temperado da esposa, do bolo de aniversário dos filhos, do churrasco de domingo com os amigos. Sabor de vida em movimento.

 

Agora, mais velho, o tempo tem outro paladar. Mais suave, mais lento. O café da manhã é sem pressa. A sopa à noite lembra a comida da mãe. O doce preferido da infância reaparece no paladar como se o tempo tivesse dado uma volta completa.

 

Há dias em que o tempo amarga — quando sentimos saudade de quem partiu ou de um tempo que não volta. Mas até a saudade tem sabor. E, se bem sentida, vira tempero da alma.

 

Hoje aprendi a saborear o tempo como um vinho raro. Cada gole é único. Cada dia, uma nova nota a ser descoberta. O tempo não é mais relógio — é paladar.

 

E percebo que viver é isso: um constante provar. De amores, de lutas, de silêncios. E de lembranças.

 

O sabor do tempo é o que guardamos na memória e levamos no coração. E ele se torna mais apurado quanto mais vivemos.

 

No fundo, o tempo é um banquete. Só precisamos aprender a degustá-lo.

 

Gabriel Novis Neves

07-07-2025




segunda-feira, 7 de julho de 2025

COMENTÁRIOS ENSINAM


Os comentários que recebo sobre minhas crônicas são extremamente didáticos e ajudam-me a aprimorar a escrita e a refletir sobre o que expresso.

 

A língua portuguesa é difícil de ser escrita corretamente — e também de ser interpretada.

 

Com os anos de dedicação à escrita, confirmo essa afirmação.

 

Certa ocasião escrevi criticando o número excessivo de exames complementares que os médicos de hoje costumam solicitar, especialmente para os mais velhos. A cada ano, os pedidos aumentam.

 

O pobre do paciente, então, passa até um mês cumprindo essa maratona de consultas e exames.

 

Escrevi: ‘Peço ao tempo que voe, para me ver livre desse compromisso desagradável’.

 

Com saúde física e mental preservadas, dedico boa parte do primeiro e do segundo semestre a essa tarefa. Era isso o que eu quis dizer.

 

Alguns leitores, porém, entenderam que eu estivesse pessimista.

 

Aos noventa anos, disseram, que eu deveria pedir aos céus que o tempo passasse bem devagar.

 

Se fosse por mim, ele nem passaria. Estou na reta final da jornada.

 

Tenho medo de tudo relacionado à morte.

 

Estudei para evitá-la. Sempre a encarei como uma derrota.

 

Há dor, sofrimento e a inevitável sensação de perda.

 

Todos, um dia, enfrentam o luto — mas nem todos sabem administrá-lo.

 

Por isso, cada comentário recebido é uma lição, e nos ajuda a evitar mal-entendidos.

 

Não gosto de escrever sobre temas fúnebres.

 

Prefiro registrar o cotidiano, cheio de poesia e de pequenos ensinamentos.

 

Vivemos um mês alegre — com as festas juninas e suas tradições religiosas.

 

Santo Antônio, São João, São Pedro e no primeiro domingo de julho — o São Benedito.

 

E logo estaremos nas festas natalinas e de Ano Novo.

 

Desejo acompanhar essa rotina por muitos anos, com saúde.

 

Ver meus bisnetos crescerem, desenvolverem-se e, quem sabe, ingressarem na universidade.

 

Sinto-me respeitado e querido pela cidade onde nasci, no Centro Histórico.

 

E quis o destino que além do estetoscópio, no crepúsculo da vida, eu me tornasse também um contador de estórias da minha terra e da sua gente.

 

Gabriel Novis Neves 

12-06-2025




domingo, 6 de julho de 2025

MEU ANIVERSÁRIO EM TEMPO DE GUERRA


Já escrevi bastante sobre o meu aniversário — que deixou de ser apenas mais uma data e tornou-se o marco inaugural da minha longevidade.

 

Saber que, daqui em diante, estarei trilhando essa nova estrada da existência me enche de esperança.

 

Alimenta em mim o desejo de alcançar o tão sonhado centenário.

 

O que antes era apenas devaneio, hoje se apresenta como doce realidade: viver até os cem anos!

 

Testemunhar dois séculos — o XX e o XXI — é privilégio de poucos.

 

Nasci durante a Segunda Guerra Mundial. Desde então assisti a muitas outras. Agora, vivo a aflição de mais uma, inexplicável e desumana: o conflito entre Israel e Irã, onde milhares de inocentes já perderam a vida.

 

Hospitais e crianças já não são respeitados. Mísseis são lançados à distância, como se não houvesse sangue onde caem.

 

As agências de notícias relatam que Israel bombardeou usinas nucleares no Irã. Em resposta, o Irã atacou um hospital israelense. Os Estados Unidos apoiam militarmente Israel.

 

Presenciamos, talvez, o início da Terceira Guerra Mundial — agora com armamentos atômicos.

 

O Irã não estará sozinho. Contará com o apoio da Rússia e de potências asiáticas.

 

Se a diplomacia internacional — frágil e burocrática — não for capaz de conter esse conflito, em poucos dias os mísseis nucleares destruirão nações inteiras, com consequências devastadoras para o mundo inteiro.

 

Escrever sobre guerras é sempre doloroso. É dar voz à ganância pelo poder que sepulta milhares de vidas.

 

O planeta sofre. Falta petróleo, faltam alimentos. E a diplomacia internacional, sempre incompetente, tornou-se um dos “clubes” mais caros e ineficazes da humanidade.

 

Raramente os diplomatas resolvem um conflito.

 

Num mundo globalizado, mesmo guerras distantes espalham dor e prejuízos por todo o planeta. Causam feridas irreparáveis na sociedade e na economia.

 

Haverá mais ricos. Muitos mais pobres. E novas guerras.

 

A paz — tão alardeada e desejada — continuará sendo apenas matéria de rodapé nos jornais que ainda restarem.

 

Vivemos cercados por falsos líderes, que se locupletam sem pudor dos cofres públicos, indiferentes ao sofrimento de seus povos.

 

Neste aniversário ergo um brinde à vida… mas com o coração em prece pelo futuro da humanidade.

 

Gabriel Novis Neves

23 -06-2025