sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Herança


De minha mãe herdei o gene da pressa com a sua máxima: “Nunca deixe para amanhã, aquilo que pode fazer hoje”.
Ao longo da minha vida não tive como fugir desse gene. De tanto fazer tudo apressadinho, me coloquei em cada situação!
Mesmo com o auxílio da ciência médica e da passagem do tempo, a sua agressividade continua inalterada. Continuo a querer fazer tudo de forma apressada e imediatista.
Amigos sempre me alertam que apressadinho come cru, mas não tomo jeito.
A cultura de adquirir pelo trabalho honesto bens materiais para garantir uma velhice discreta - sem maiores preocupações financeiras - foi apenas uma terapia para a cura da pressa genética.
Para atingir essa meta materialista, troquei muitos prazeres da minha juventude pela doce ilusão da tal velhice sem problemas, confundido por muitos como a própria felicidade.
Não consegui. Apenas transferi essa pressa - que na verdade é uma ansiedade - ao futuro dos meus filhos e netos. Quero logo vê-los com as suas vidas encaminhadas, para iniciar todo o processo da nova pressa com a chegada dos bisnetos.
Da boca para fora já escrevi, inclusive, que consegui ser egoísta e ególatra com o auxílio da psicanálise.
Tudo de mentirinha, pois o meu gene não me permite a esses arroubos de independência do tempo.
Tenho pressa em cuidar da minha saúde para não depender da lentidão de terceiros.
Sou um professor de teoria que na vida tudo passa lentamente. Na prática sei que o tempo voa.
Há muito aprendi que devemos evitar viver das lembranças do passado, pois elas podem nos conduzir ao inútil e sofrido saudosismo, tão bem diagnosticado pelo meu professor de neurologia Pedro Nava – que nas suas poucas horas vagas era escritor e membro da nossa Academia Brasileira de Letras.
 “Moro onde não mora ninguém, onde não passa ninguém, onde não vive ninguém, e eu me sinto bem,” dizia o saudosista poeta brasileiro Agepê, lembrando-se da sua infância de menino pobre do interior.
Evito a solidão da multidão, e nessas ocasiões tenho pressa em ficar só.
Para o meu consolo também herdei da minha mãe o gene colado ao da pressa, que é o do humor, que nutre a minha alma apressada para chegar logo onde pressa alguma tenho.
Voltando ao assunto da minha genética pressa que sempre me causou aborrecimentos incompreensíveis. Dia desses um minúsculo descuido me fez passar um melancólico final de semana.
Na ansiedade de querer tudo em seu devido lugar, resolvi arrumar a conexão do meu laptop na tomada elétrica.
Provoquei um curto circuito no pequeno condutor descartável do computador, que acabou queimando.
Isso interrompeu a chegada da energia elétrica à minha pequena máquina.
Estava instalado o caos. Como enviar o meu artigo diário à mídia?
O apressado sempre enxerga as pequenas coisas com lentes de possantes binóculos.
Queimou o meu computador, pensei.
Dormi infeliz, como se aquele pequeno acidente merecesse tanto destaque.
Acordei muito cedo e recuperei a razão embotada pela pressa.
Troquei a pequena peça intermediária que estava ali exatamente para se sacrificar e salvar a máquina.
Em segundos, tudo resolvido e, pelo menos nesse puerpério da pressa, estou mais cauteloso com os impulsos que recebi de herança.
Até quando, não sei.

Gabriel Novis Neves
27-12-2012

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