segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O beijo que faltou


O Conselho Regional de Medicina classificou o Hospital Adauto Botelho como “depósito de gente.”
Para os jovens, a notícia pode soar chocante, repugnante e inaceitável. Os antigos, que não perderam a razão, sabem que o mundo funciona como uma roda gigante. O que foi, será outra vez.
Em 1966 a situação desse hospital psiquiátrico era bem pior do que agora. Não tínhamos psiquiatras, nem profissionais de nível superior para compor a complexa equipe de saúde para atender doentes mentais.
O Estado não era dividido e, o que hoje é chamado Hospital Adauto Botelho, atendia e internava pacientes de todos os municípios do então Estado continente.
Não possuíamos, como hoje, universidades, tampouco duas escolas de Medicina em Cuiabá - com um corpo docente multidisciplinar qualificadíssimo para fazer um belo serviço com esses pacientes.
Naquela época, existia o Hospital Colônia de Alienados do Coxipó da Ponte, conhecido pela população como hospital dos loucos ou chácara dos loucos, onde tudo começou em um casarão às margens do rio Coxipó, ainda não poluído.
No local, hoje chamado de HAB, um pedacinho foi construído daquilo que seriam, e nunca foram, as instalações físicas de hospital.
Os pacientes agudos ficavam presos e acorrentados em celas individuais. Havia apenas um sanitário-buraco, uma porta trancada com cadeado, e que só abria de fora para dentro.
O contato com o paciente era realizado por uma pequena abertura quadrada na porta da cela do doente mental, o suficiente para passar um prato de madeira com a comida - sem colher - e os medicamentos.
A higiene desses seres humanos não existia, e eles dormiam sob ação das drogas, misturados com fezes e urina.
A chegada ao depósito de gente era feita por trilhas na terra, pois não havia ruas. No período eleitoral de 1965, essa situação foi motivo de acalorados debates nos comícios, principalmente em Cuiabá.
A situação era tão grave, que um grande jornal de São Paulo se interessou pelo problema e denunciou essa falta de respeito humano ao Brasil.
Mato Grosso tinha fama de Estado matador de índios, agora, de doentes mentais também.
No dia 15/03/1966, assumiu o governo um jovem engenheiro de Miranda (MS). Foi dia de festas protocolares.
No 1º dia de trabalho, o governador eleito pela vontade soberana do povo de Mato Grosso, chama o seu secretário de Saúde, o cuiabano Clóvis Pitaluga de Moura, e diz: “quero ir com você visitar o Hospital dos Alienados.”
No retorno, desesperado com o que viu, e que não lhe contaram, deu um prazo de noventa dias para mudar aquele inferno - que mais parecia um campo de concentração.
Com o apoio do Governador e de seu secretário de Saúde, que assumiram a direção da recuperação dos doentes, não houve necessidade de assessorias, planos estratégicos, auxílio de organizações sociais e outras decorações da enrolação burocrática, para a transformação do depósito de gente em um centro humanizado.
A roda subiu. Durante anos ficou parada no cume do círculo. Começou a descer. Os tempos são outros. O problema é grave, porém, nada impossível de ser resolvido.
Temos a principal ferramenta, que é gente capaz. Recursos financeiros necessários, sempre foi decisão política.
Infelizmente, o tratamento digno dos nossos doentes mentais não é prioridade, pelo menos até 2014. O resto é conversa mole para boi dormir.
O depósito de gente aumentará, não só no hospital Adauto Botelho, mas em todos os investimentos sociais.
Os cuiabanos das esquinas, que bradam que são de tchapa e cruz, foram avisados dessa tragédia do hospital do Coxipó, que mancha a honra dos nossos antepassados.
Tempos modernos não condiz com o silêncio conivente, nem com o retrocesso das nossas poucas conquistas sociais.
Tampouco ceninhas de descontrole emocional pela conquista do poder.
Os doentes mentais em Mato Grosso, precisam de um verdadeiro beijo de solidariedade.

Gabriel Novis Neves

24-10-2012

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