quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

"REPRISE"

Há seis meses uma neta, das cinco que tenho, fez uma pequena cirurgia. Naquela ocasião, de dentro do centro cirúrgico, escrevi um artigo: “A minha neta decidiu”. Todas as outras netas leram, e, no linguajar delas, “amaram”. A cena agora se repete. Outra neta, agora também operada, me pediu um mimo: queria um artigo escrito por mim. Contrariar essas criaturas adoráveis? Jamais!

O hospital é o mesmo, assim como a equipe cirúrgica e o tipo de cirurgia. O avô é igualmente o acompanhante. O silêncio no centro cirúrgico é total. O único som audível a um ouvido saudável é o tic-tac do monitor anestésico. A paciente está tranqüila, mesmo porque partiu da iniciativa dela a tal cirurgia. O cirurgião marca com uma caneta de tinta azul e régua, as linhas para incisão e os pontos estratégicos para o encaixe do enxerto. A enfermeira consegue pegar na primeira picada a veia necessária, evitando a síndrome da “veia bailarina” que atormentou Zuenir Ventura. A anestesista toma as últimas providências antes de injetar o líquido branco do sono gostoso, com a ajuda de um moderno equipamento que mais parece de nave espacial. Registra todos os sinais vitais da paciente durante a cirurgia. A anestesia, terror dos antigos, é o mais seguro procedimento médico no centro cirúrgico. Único perigo neste recinto tranqüilo e relaxante são as mãos do cirurgião. A paciente continua calma. O avô, em um canto da sala cirúrgica, e que a tudo observava, passava para ela segurança, apoio e solidariedade. Não basta ser avô – “tem que participar”.

Inicia-se a cirurgia tão desejada! Com ela dormindo e os médicos trabalhando, fico a pensar e a cismar. Como a atual noção de beleza produz malefícios à população! Qual a real necessidade dessa cirurgia? A sabedoria popular diz que o volume ideal das mamas é aquela que cabe na palma de uma mão. E olha... tem que ter mão grande para abrigar as futuras mamas da minha neta! Penso também nas filas para cirurgias importantes, do ponto de vista da preservação da saúde, do SUS, que não andam, aumentam. Porque escolhemos viver este modelo social tão massacrante? Mesmo aquelas pacientes da fila parada do SUS - com bexiga caindo - facilmente trocariam a sua necessidade de saúde por uma cirurgia de lipo-escultura. Existe uma inversão total de valores na nossa sociedade a procura da beleza ideal. “A brancura da pele do rosto no Japão indica que a mulher ocupa posição social privilegiada. Na Alemanha, a beleza está mais associada ao humor e à vitalidade. As francesas gostam de experimentar produtos de maquiagem. As suíças não dão valor ao corpo, que, por causa do frio, acaba pouco exposto. A brasileira procura juventude e pele bronzeada, inclusive o rosto e quer ficar com a “marca do biquíni”. Estas observações são do alemão Thomas-Bernd Quass, presidente do creme da latinha azul que no ano que vem completa cem anos. Continuando a filosofar: querem nos fazer crer que o padrão de beleza da mulher brasileira é a pele do corpo tostada, barriga de tanquinho, peitão das americanas e bundão das africanas.

A cirurgia terminou e o sucesso foi o esperado – total. A minha neta acorda feliz e me pergunta ainda obnubilada: “você gostou?” Beijando-a na testa, respondo: “Você está linda!” E pensei: “Quem pariu Matheus que o embale”.

Gabriel Novis Neves
11/02/2010

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