terça-feira, 23 de setembro de 2025

O VENDEDOR DE PICOLÉ


O bar do meu pai tinha um salão reservado para a sorveteria, com duas janelas abertas para a Praça Alencastro e duas portas voltadas para a Praça da República.

 

Ali se fabricava uma grande variedade de sorvetes, servidos em taças, casquinhas e picolés.

 

O bar estava situado em um ponto estratégico, próximo ao Palácio da Instrução, ao Cine Teatro e as praças centrais da cidade.

 

Ao término das aulas, ou das sessões de cinema, os jovens ocupavam as mesas da sorveteria, onde muitos romances começaram. Outros saiam levando suas casquinhas ou picolés para saborear no caminho de casa.

 

Os sorvetes do bar do meu pai marcaram gerações e até hoje, são lembrados como um doce legado da infância.

 

Eu apreciava esse ofício, desde a compra da matéria-prima até a confecção na máquina da sorveteria, dos picolés e sorvetes.

 

À noite poucas pessoas se sentavam às mesas.

 

Os lugares eram ocupados por adultos que bebiam cerveja e, nos dias e retretas no Jardim, por mulheres do Beco do Candeeiro.

 

Chamavam atenção por fumarem cigarros comerciais e exibirem dentes de ouro, presentes de apaixonados clientes garimpeiros.

 

Até hoje encontro senhoras, já com mais de oitenta anos, que recordam com ternura as tardes na sorveteria: depois do cinema, iam tomar sorvete e namorar.

 

Eram tempos em que gerações misturavam sabores com memórias e juventude.

 

Na rua 13 de junho havia ainda uma fábrica de picolés de groselha, que abastecia as carrocinhas dos vendedores ambulantes.

 

Estes faziam ponto nas portas das escolas, nos estádios de futebol e em qualquer lugar onde houvesse gente reunida.

 

Quanta saudade tenho da inocência da minha infância, vivida sem complexos ou barreiras sociais.

 

Todas as crianças eram iguais: frequentavam a mesma escola, o mesmo postinho de saúde, a mesma igreja e a mesma sorveteria!

 

Hoje as crianças são escolarizadas por grupos sociais distintos, o que forma adultos separados uns dos outros.

 

E as sorveterias, antes cheias de vida, se transformaram em lojas de shopping com produtos industrializados — sem o encanto artesanal que moldava nossos encontros e lembranças.

 

Gabriel Novis Neves

11-09-2025






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