sexta-feira, 12 de setembro de 2025

O FURO NO CINTURÃO


O ofício de sapateiro é uma profissão em extinção que ainda resiste, transformando sapatos gastos em histórias renovadas.

 

Em frente à casa do meu avô Alberto, na rua Voluntários da Pátria, o seo Atanásio ocupava uma pequena sala na frente de sua residência, onde instalou a oficina.

 

Tornei-me amigo de seu filho, da minha idade, que, quando estava em casa, não saía da janela para conversar e saber das últimas novidades.

 

Ele frequentava as missas da Catedral, assim como eu.

 

O pai trabalhava em dois expedientes e tinha muitos clientes.

 

O filho estudava e não quis aprender o ofício, como também eu não quis ser garçom do bar do meu pai.

 

A porta da rua de sua casa estava sempre fechada.

 

Nunca soube a razão de meu pai jamais ter procurado aquela sapataria, diante das inúmeras existentes em Cuiabá naquele tempo.

 

Fiz amizade com o seo Atanásio e quando ia à casa do meu avô, atravessava a rua para prosear com ele.

 

Recordo-me de certa ocasião em que lhe pedi para fazer mais um furo no meu cinturão.

 

Eu era muito magro, de barriga chupada, e todas as vezes que ganhava de presente um cinturão de couro, recorria ao seo Atanásio.

 

Passei onze anos estudando no Rio de Janeiro e, quando voltei, encontrei-o ainda na mesma oficina, repleta de sapatos a consertar.

 

Não me recordo das longas conversas com ele.

 

Também nunca mais tive mais notícias de seu filho, que adorava futebol.

 

Hoje, sua casa permanece sem a sapataria, ao lado da casa da dona Balbina Orlando, resistindo firme à especulação imobiliária.

 

De vez em quando, passeando pela cidade, ainda encontro oficinas de sapateiros.

 

A meia sola imperava nos calçados daquela época, assim como a troca de saltos.

 

Já nem sei há quantos anos não procuro uma sapataria para os meus sapatos gastos. E assim, perco histórias renovadas desses artesãos, guardiões da nossa memória oral.

 

Isso se chama progresso!

 

Gabriel Novis Neves

10-09-2025




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