terça-feira, 30 de setembro de 2025

CHAVES QUE NÃO ABREM MAIS NADA


Tenho hoje todo o tempo livre e o aproveito para escrever.

 

Foi a escolha que fiz para enfrentar a velhice.

 

No início temia a falta de assunto para escrever sobre o cotidiano.

 

Essa preocupação, felizmente, desapareceu.

 

As gavetas da minha casa estão cheias de inspiração — basta abri-las. 

 

Velhas chaves guardadas carregam mistérios: de que portas eram?

 

Que histórias terão trancado para sempre?

 

São chaves de portas, armários, malas, cofres, e até de um hotel, que veio parar na gaveta da cabeceira da minha cama.

 

Por que não me desfaço das que não uso mais?

 

Procuro a razão e não encontro: se nem sei a que portas pertenciam, por que guardá-las?

 

Talvez porque, em silêncio, ainda queiram me revelar as histórias que selaram.

 

De todas, apenas uma guarda lembranças lindas, e que permanecerão para sempre ocultas.

 

As outras poderiam ser esquecidas na lixeira.

 

Tenho até chaves de casas e apartamentos que já não são meus.

 

E tantas duplicatas sem dono, guardadas na esperança vã de que um dia se tornarem úteis.

 

Escrevo numa mesa de escritório que ganhei de presente de aniversário.

 

À sua esquerda, duas gavetinhas com uma fechadura e duas pequenas chaves presas por uma argola de metal.

 

Como só uso uma para abrir e fechar a gaveta superior, as duas juntas parecem, um convite ao destino: em breve, terei mais uma chave que não abrirá mais nada.

 

E a minha biblioteca?

 

Ali guardei boa parte da minha história em gavetas centenárias, herança do avô da minha mulher.

 

Tenho as chaves que as abrem, mas nunca sei em qual delas está o que procuro.

 

Meu pai descobriu uma maneira prática de se livrar dos problemas das chaves.

 

O bar tinha nove portas, e apenas uma precisava de chave.

 

As outras — bastavam trancas.

 

Gabriel Novis Neves

23-09-2025






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